Não saberia dizer por quanto tempo viajamos, mas podia sentir cada solavanco do enorme caminhão. Maxon, na tentativa de nos manter firmes em pé, pressionou as costas contra a estante e me prendeu na lateral com uma das pernas. Mesmo assim, a cada curva, continuávamos escorregando um pouco no assoalho de metal.
— Não gosto de não saber onde estou — Maxon disse, enquanto tentava nos manter equilibrados mais uma vez.
— Você já passeou por Angeles antes?
— Apenas de carro — admitiu.
— É muito estranho eu me sentir mais à vontade indo a um covil de rebeldes do que recebendo aquelas mulheres da família real italiana?
Maxon riu.
— Só você mesmo.
Era difícil conversar com o barulho do motor e o chiado das rodas. Ficamos calados por um tempo. No escuro, os sons pareciam mais fortes. Respirei fundo, na tentativa de me concentrar, e senti um cheiro de café no ar. Não dava para dizer se aquele aroma era um resquício no caminhão ou se estávamos passando por uma lanchonete na estrada. Depois de um tempo que pareceu muito longo, Maxon se aproximou e falou no meu ouvido:
— Gostaria que você estivesse segura em casa, mas estou muito feliz por estar aqui.
Ri baixinho. Provavelmente ele não ouviu, mas deve ter conseguido sentir, de tão próximos que estávamos.
— Só me prometa que vai correr — ele pediu.
Cheguei à conclusão de que, no final das contas, eu não seria uma grande ajuda para Maxon caso alguma coisa de muito ruim acontecesse. Procurei seu ouvido e disse:
— Prometo.
O caminhão deu outro solavanco forte e Maxon me agarrou. Senti nossos narizes se tocarem na escuridão. A vontade de beijá-lo veio rápida e inesperada. Apesar de terem passado apenas alguns dias desde nosso beijo no telhado, para mim parecia uma eternidade. Ele me puxou para perto. Eu podia sentir na pele sua respiração. Ia acontecer. Com certeza.
Maxon deslizou o nariz pela minha bochecha até nossos lábios ficarem próximos. Assim como pude sentir o aroma do café e ouvir cada rangido no escuro, a falta de luz me deixava mais concentrada no leve aroma que envolvia Maxon, no toque de seus dedos pelo meu pescoço até chegar às mechas de cabelo que despontavam sob a touca.
Um segundo antes de nossos lábios se tocarem, o caminhão parou bruscamente, nos jogando para a frente. Bati a cabeça na parede e tive certeza de que os dentes de Maxon foram parar na minha orelha.
— Ai! — ele exclamou. Percebi que ele tentava se endireitar no escuro. — Você se machucou?
— Não. Meu cabelo e a touca absorveram a maior parte do impacto. — Se eu não quisesse tanto beijá-lo, teria caído na gargalhada.
Assim que paramos, o caminhão começou a dar ré. Segundos depois, já estava estacionado, e os motores, desligados.
Maxon trocou de posição; parecia estar agachado e encolhido, olhando para a porta. Achei melhor me abaixar também, e Maxon estendeu uma mão para me proteger, se fosse necessário.
A luz do poste invadiu a carroceria, me deixando um pouco zonza. Tentava proteger os olhos quando alguém subiu no compartimento.
— Chegamos — disse o soldado Avery. — Me sigam de perto.
Maxon se levantou e logo me ajudou a fazer o mesmo. Em seguida, saltou para fora do caminhão e ergueu os braços para me segurar. Assim que toquei o chão, ele tomou minha mão. De imediato, reparei no grande muro de tijolos que nos cercava em um beco e senti o cheiro muito forte de algo podre. Aspen estava diante de nós, inspecionando todos os lados com a arma na mão, na altura de sua cintura.
Ele e Avery foram na direção da entrada dos fundos do prédio, comigo e Maxon logo atrás. Os muros ao nosso redor eram altos e me lembravam dos prédios da minha cidade, com suas escadas de incêndio serpenteando na lateral da construção. No entanto, ninguém parecia morar naquela área. Aspen bateu na porta encardida e esperou. Uma fresta se abriu, e dava para ver uma pequena corrente que protegia quem estava dentro. Vi os olhos de August antes de a porta ser fechada rapidamente e reaberta em seguida, dessa vez por inteiro. August nos apressou para entrar.
— Rápido — ele murmurou.
No corredor sombrio estavam um garoto mais novo e Georgia. Era óbvio que ela estava tão ansiosa quanto a gente. Não consegui me conter e corri para abraçá-la. Ela me abraçou de volta, e fiquei feliz por descobrir que, inesperadamente, tinha feito uma amiga.
— Vocês foram seguidos? — ela perguntou.
— Não, mas vocês precisam ser rápidos — Aspen respondeu.
Georgia me levou até uma mesinha, e Maxon sentou ao meu lado. August e o garoto mais novo ficaram do outro.
— Quão grave é a situação? — Maxon perguntou. — Tenho a sensação de que meu pai esconde a verdade de mim.
August deu de ombros, um pouco surpreso.
— Pelo que sabemos, os números são baixos. Estão causando a destruição de sempre, mas, por ora, nos ataques direcionados aos Dois, parece que foram menos de trezentas pessoas.
Fiquei sem ar. Trezentas pessoas? Como aquilo podia ser considerado baixo?
— America, não é tão ruim se você considerar toda a situação — disse Maxon, mais uma vez segurando minha mão.
— Ele tem razão — comentou Georgia. — Podia ter sido bem pior.
— Já esperava isso deles: que atacassem de cima para baixo. Supomos que logo avançarão mais — interveio August. — Aparentemente, os ataques ainda estão concentrados nos Dois, mas estamos de olho e avisaremos se a situação piorar. Temos aliados em todas as províncias, e todos estão alertas. Mas não há muito que possam fazer sem se expor. Todos sabemos o que aconteceria se fossem descobertos.
Maxon, sério, concordou com a cabeça. Eles morreriam, claro.
— Devemos ceder? — Maxon perguntou. Olhei para ele, surpresa.
— Acredite em nós — Georgia disse. — Eles não vão melhorar se você desistir.
— Mas deve haver algo mais que possamos fazer — Maxon insistiu.
— Vocês já fizeram algo muito importante. Bem, ela fez — August disse, apontando para mim com a cabeça. — Pelo que sabemos, os fazendeiros têm levado um machado sempre que deixam as plantações, costureiras caminham pelas ruas com tesouras nas mãos e até quem é Dois anda com sprays de pimenta. Não importa a casta, todos parecem ter encontrado um jeito de se armar por precaução. Seu povo não quer mais viver com medo, e está tentando fazer isso. Está contra-atacando.
Senti vontade de chorar. Pela primeira vez em toda a Seleção, tinha feito uma coisa certa.
Maxon apertou minha mão, orgulhoso.
— É um consolo — ele disse. — Ainda assim, não me parece o bastante.
Concordei com a cabeça. Estava muito feliz por saber que as pessoas não estavam conformadas, mas devia haver um jeito de acabar com aquilo de uma vez.
August suspirou.
— Temos nos perguntado se há um jeito de atacá-los. Eles não têm qualquer treinamento de combate. Apenas se atiram sobre as pessoas. Nossos apoiadores têm medo de ser identificados, mas estão em toda parte. E podem ser nossa principal vantagem no caso de um ataque surpresa. De certa forma, já formamos uma espécie de exército, mas estamos praticamente desarmados. Não há chance de ganharmos dos sulistas se a maioria das nossas forças lutar com tijolos e rastelos.
— Vocês precisam de armas?
— Seriam bem-vindas.
Maxon considerou a hipótese.
— Há coisas que vocês podem fazer que são simplesmente impossíveis para nós do palácio. Só não gosto da ideia de enviar meus súditos em missão para eliminar aqueles selvagens. Seria morte certa.
— É possível — August reconheceu.
— Há também o detalhe de que não há garantias de que vocês não usarão essas armas contra mim no futuro.
August bufou ao ouvir essas palavras.
— Não sei como fazer você acreditar que estamos ao seu lado, mas é verdade. Tudo o que desejamos é ver o fim das castas, e estamos prontos para apoiá-lo nisso. Não pretendo feri-lo, Maxon, e acho que você sabe disso.
August e Maxon se entreolharam por algum tempo. Depois, o líder rebelde emendou:
— Se não soubesse, não estaria aqui agora.
— Alteza — Aspen disse. — Perdão por interromper, mas alguns de nós gostariam de acabar com os rebeldes do sul tanto quanto os senhores. Eu mesmo iria me voluntariar para treinar qualquer pessoa em combate corpo a corpo.
Meu peito se encheu de orgulho. Aquele era o meu Aspen: sempre tentando consertar as coisas.
Maxon acenou com a cabeça antes de se voltar novamente para August.
— Precisarei de um tempo para pensar sobre isso. Talvez possa oferecer algum treinamento, mas não poderia armá-los. Mesmo se estivesse certo de suas intenções, imagine o que meu pai faria se descobrisse uma ligação entre nós.
Sem pensar, Maxon contraiu os músculos das costas. Eu tinha a impressão de que ele já devia ter feito isso várias vezes desde que nos conhecemos, mas antes eu não reparava. Mesmo naquela situação tensa ele não conseguia esquecer seu segredo.
— Tem razão. Na verdade, é melhor vocês irem embora. Darei notícias assim que tiver mais informações, mas, por ora, tudo vai bem, na medida do possível. — August entregou um papel a Maxon. — Temos um telefone fixo. Você pode ligar em caso de urgência. Micah cuida dessas coisas.
August apontou para o garoto que tinha permanecido calado o tempo todo. Micah mordeu os próprios lábios e fez um breve aceno com a cabeça. Algo no jeito dele sugeria que se tratava de uma pessoa tímida e ansiosa ao mesmo tempo.
— Certo. Usarei com prudência — garantiu Maxon ao guardar o papel no bolso. — Entrarei em contato logo.
Ele levantou e eu fiz o mesmo, enquanto olhava para Georgia.
Ela contornou a mesa e veio em minha direção.
— Cuide-se no caminho de volta. E aquele número é para você também.
— Obrigada.
Abracei-a rapidamente e saí com Maxon, Aspen e o soldado Avery. Olhei uma última vez para nossos estranhos amigos antes de fecharem e trancarem a porta.
— Afastem-se do caminhão — Aspen ordenou.
Me virei para entender o que ele queria dizer, já que ainda estávamos um pouco longe. Então percebi que Aspen não estava falando comigo. Alguns homens rondavam o veículo. Um deles carregava uma chave-inglesa; aparentemente, estava prestes a roubar os pneus. Outros dois estavam na traseira, tentando abrir as portas de metal.
— Só vamos embora se você nos der comida — disse um deles. Parecia mais jovem do que os outros; talvez tivesse a idade de Aspen. Sua voz era fria e desesperada.
No palácio, eu não tinha reparado que o caminhão exibia um brasão enorme de Illéa na lateral. Diante daquele grupo de maltrapilhos, isso me pareceu um descuido idiota. Mesmo que Maxon e eu estivéssemos disfarçados, não seria nada bom se eles se aproximassem. Embora eu não soubesse o que fazer com uma arma, desejei de ter uma.
— Não temos comida — Aspen respondeu calmamente. — E se houvesse, não seria para você.
— Como eles treinam bem suas marionetes — comentou outro homem, abrindo um sorriso admirado; dava para notar que não tinha alguns dentes. — O que você era antes de se transformar nisso?
— Afastem-se do caminhão — Aspen ordenou.
— Você não devia ser Dois ou Três, ou teria pagado para fugir do alistamento. Então diga, rapazinho, o que você era? — o banguela desafiou, se aproximando.
— Afaste-se. Agora.
Aspen já estava com uma mão estendida para proteger o corpo e outra próxima da cintura.
O homem parou, balançando a cabeça.
— Você não sabe com quem está mexendo, garoto.
— Esperem! — alguém interrompeu. — É ela! É uma das garotas.
Olhei na direção da pessoa que tinha dito aquilo, o que acabou por me entregar.
— Peguem-na! — gritou o mais jovem.
Antes de eu conseguir pensar, Maxon me jogou para trás. Vi os vultos de Aspen e Avery sacarem as armas enquanto meu corpo era levado pela força dos braços musculosos de Maxon. Corri para o lado, me esforçando para não cair enquanto Aspen e Avery continham os homens. Logo Maxon e eu demos com o muro de tijolos. Estávamos encurralados.
— Não quero matar vocês — declarou Aspen. — Saiam. Agora!
O homem banguela abriu um sorriso maligno e ergueu as mãos, como se não quisesse brigar. De repente, em um movimento tão rápido que eu quase não percebi, abaixou as mãos e sacou uma arma. Aspen atirou e mais tiros vieram como resposta.
— Vamos, America! — Maxon disse, exasperado.
Vamos para onde?, pensei, com o coração disparado de terror.
Olhei para Maxon. Ele enlaçava os dedos para fazer um apoio para o meu pé. Então entendi: pisei em suas mãos e ele me impulsionou para o alto enquanto eu me equilibrava no muro. Alcancei o topo e senti uma coisa estranha no braço enquanto puxava o corpo para cima.
Ignorei a sensação e joguei o corpo para o outro lado, me esticando ao máximo antes de saltar sobre o chão de concreto. Acabei caindo de lado, com a certeza de ter machucado o quadril ou a perna. Mas Maxon tinha me pedido para correr se estivesse em perigo, e foi isso que fiz.
Não sei por quê, mas achava que ele estaria logo atrás de mim. Quando cheguei ao final da rua, porém, percebi que não estava. Só então me dei conta de que não haveria ninguém para ajudá-lo a escalar o muro. A sensação estranha no meu braço voltou e começou a queimar. Olhei para baixo, sob a fraca luz de um poste. A manga do casaco estava molhada.
Tinha levado um tiro.
Tinha levado um tiro?
Apesar de eu ter estado no meio do tiroteio, aquilo não parecia real. Ainda assim, não havia como negar a dor que queimava e aumentava a cada segundo. Cobri a ferida com a mão, mas isso só aumentou a dor.
Olhei para os lados. A cidade estava totalmente deserta.
Óbvio: já tínhamos passado do toque de recolher havia muito tempo. Estava tão habituada à vida no palácio que me esquecera de que o mundo lá fora parava às onze.
Se um soldado aparecesse, eu seria levada para a prisão. Como explicaria isso ao rei? Que desculpa você vai dar para um ferimento à bala, America?, pensei.
Comecei a caminhar, sem sair das sombras. Não fazia ideia de onde ir. Não sabia se tentar voltar ao palácio era uma boa ideia. Mas, mesmo que fosse, não saberia o caminho.
Meu Deus, como queimava. Era difícil pensar. Cruzei uma rua estreita entre dois prédios. Isso já era sinal de que eu não estava na melhor parte da cidade. No geral, apenas os Seis e Sete precisavam se espremer em apartamentos.
Não havia para onde ir, então caminhei até um beco mal iluminado e me escondi atrás de umas latas de lixo. A noite estava fresca, mas aquele tinha sido um típico dia quente em Angeles; as lixeiras de metal cheiravam muito mal. Com aquele cheiro e a dor, senti que estava prestes a vomitar.
Desgrudei a manga da ferida, com cuidado para não a irritar mais do que o necessário. Minhas mãos tremiam, com o medo e a adrenalina. Dobrar o braço já me fazia querer gritar. Mordi os lábios na tentativa de abafar o som, mas mesmo assim meus gemidos ecoaram na noite.
— O que aconteceu? — uma voz fraca e aguda perguntou.
Levantei a cabeça bruscamente para descobrir quem tinha perguntado. Encontrei dois olhos brilhantes nas profundezas do beco.
— Quem está aí? — perguntei de volta, com a voz trêmula.
— Não vou machucá-la — ela respondeu. — Também estou tendo uma noite ruim.
A menina – eu lhe daria uns quinze anos – saiu das sombras e veio olhar meu braço. Ela perdeu o fôlego com o que viu.
— Deve estar doendo muito — ela comentou, solidária.
— Fui baleada — eu disse, quase chorando. Aquilo queimava tanto…
— Baleada?
Fiz que sim com a cabeça.
Ela me olhou hesitante, como se considerasse sair correndo.
— Não sei o que você fez nem quem você é, mas não mexa com os rebeldes, certo?
— Como é?
— Não faz muito tempo que cheguei aqui, mas sei que as únicas pessoas armadas são os rebeldes. Seja lá o que tenha feito para eles, não faça mais.
Eu nunca havia pensado nisso, apesar de todas as vezes que tínhamos sido atacados. Ninguém que não fosse soldado podia ter armas. Só um rebelde conseguiria driblar a proibição. O próprio August tinha acabado de dizer que os nortistas estavam praticamente desarmados. Fiquei me perguntando se eles estavam com alguma arma naquela noite.
— Qual o seu nome? — a menina perguntou. — Sei que é uma garota por baixo dessa roupa.
— Meri — eu respondi.
— Me chamo Paige. Parece que você é nova na oitava casta. Suas roupas estão bem limpas.
Ela virou meu braço com cuidado para olhar melhor o sangramento, como se fosse capaz de ajudar de alguma maneira. Mas nós duas sabíamos que não tinha como.
— É mais ou menos isso — desconversei.
— Você vai morrer de fome se ficar aqui sozinha. Tem algum lugar para ir?
— Não exatamente — respondi, me contorcendo de dor.
Ela inclinou a cabeça.
— Eu vivia sozinha com meu pai. Éramos Quatro. Tínhamos um restaurante, mas minha avó criou uma espécie de regra para quando meu pai morresse: o restaurante passaria para minha tia, não para mim. Acho que por medo de que minha tia ficasse sem nada, algo assim. Acontece que essa tia me odeia. Sempre odiou. Ela ficou com o restaurante, mas também comigo, e não gostou muito.
“Duas semanas após a morte do meu pai, ela começou a me bater. Eu tinha que roubar comida, porque ela dizia que eu estava ficando gorda e não me daria nada. Pensei em ir para a casa de uma amiga, mas ela poderia ir lá atrás de mim. Então fugi. Peguei dinheiro, mas não o suficiente. Ainda que bastasse, fui roubada na minha segunda noite aqui.
Eu observava Paige falar. Dava para ver, sob a espessa camada de sujeira, uma menina que parecia ter sido sempre muito bem cuidada. Ela tentava ser durona, porém. Tinha que ser. O que mais ela podia fazer?
— Conheci umas garotas esta semana. Trabalhamos juntas e dividimos o lucro. Se você consegue ignorar o que está fazendo, até que não é ruim. Mas eu sempre choro depois. É por isso que me escondo aqui. Se as outras me veem chorando, fazem minha tia parecer uma santa. J. J. diz que elas só querem me deixar mais forte e que é melhor eu aprender rápido. Só que ainda dói… Enfim, você é bonita. Sei que elas ficariam felizes se você se juntasse a nós.
Meu estômago começou a se revirar enquanto eu tentava entender aquela proposta. Em pouco tempo, aquela menina tinha perdido a família, o lar e a si mesma.
No entanto, estava ali na minha frente, na frente de uma pessoa que fora perseguida por rebeldes, o que só podia significar perigo. Mesmo assim estava sendo legal comigo.
— Não dá para levar você ao médico, mas temos alguma coisa que pode aliviar a dor. E talvez consigam pedir a um conhecido para dar uns pontos na ferida. Só que você precisaria pagar depois…
Tentei me concentrar na minha respiração. Embora Paige me distraísse, aquela conversa não diminuía a minha dor.
— Você não é de falar muito, né? — perguntou.
— Não depois de levar um tiro.
Ela achou graça, e seu riso fácil me fez rir também, um pouco. Paige sentou ao meu lado por alguns instantes. Fiquei feliz por não estar só.
— Vou entender se você não quiser vir comigo. É perigoso e meio triste.
— Eu… Podemos ficar em silêncio por um minuto? — pedi.
— Claro. Quer que faça companhia?
— Por favor.
E ela fez. Sem hesitar, permaneceu ao meu lado, sem dar um pio. Tinha a sensação de que já se passara uma eternidade, mas na verdade não tinham sido nem vinte minutos. A dor ficava mais e mais intensa. O desespero começou a bater. Talvez pudesse ir ao médico. Claro, primeiro teria que encontrar um. O palácio pagaria as despesas, mas não tinha ideia de como fazer contato com Maxon.
Será que Maxon estava bem? E Aspen?
Estavam em menor número, mas armados. Se os rebeldes tinham me reconhecido tão rápido, será que reconheceram Maxon também? Se sim, o que teriam feito com ele?
Continuei quieta. Tentava desviar o foco das preocupações. Tudo o que podia fazer era me concentrar em mim mesma.
Mas o que faria se Aspen morresse? Ou se Maxon…
— Shhh… — ordenei, embora Paige não tivesse feito qualquer ruído. — Está ouvindo?
Nós duas prestamos atenção na rua.
— … Max — alguém gritava. — Venha, Meri, é o Max.
Usar aqueles nomes tinha sido ideia de Aspen, com certeza.
Levantei com dificuldade e fui até a saída do beco; Paige vinha logo atrás. Vi o caminhão descer a rua em marcha lenta. Cabeças para fora das janelas, à minha procura.
Olhei para trás.
— Paige, quer vir comigo?
— Para onde?
— Prometo que terá emprego e comida de verdade, e ninguém vai bater em você.
Seus olhos se encheram de lágrimas.
— Então não me importa para onde. Eu vou.
Ofereci a mão que não estava machucada para ela segurar. A manga do casaco ainda pendia do braço ferido. Caminhamos pela rua, perto dos prédios.
— Max! — gritei ao me aproximar. — Max!
O caminhão gigantesco freou, e Maxon, Aspen e Avery correram para fora.
Soltei a mão de Paige ao ver os braços abertos de Maxon. Ele me apertou e acabou por acertar a ferida. Soltei um grito.
— O que houve? — ele perguntou.
— Levei um tiro.
Aspen nos separou e agarrou meu braço para ver com os próprios olhos.
— Podia ter sido bem pior. Precisamos levá-la de volta e dar um jeito de tratá-la. Suponho que queremos o médico fora disso, certo? — ele questionou, olhando para Maxon.
— Não quero que ela sofra — Maxon disse.
— Alteza! — Paige saudou, pondo-se de joelhos. Seus ombros começaram a tremer, como se estivesse chorando.
— Esta é Paige — eu disse, sem acrescentar mais nada. — Vamos entrar.
Aspen estendeu a mão para Paige.
— Você está segura.
Maxon passou o braço pelas minhas costas e me acompanhou até a traseira do caminhão.
— Tinha certeza de que levaríamos a noite toda para encontrar você — comentou, preocupado.
— Eu também, mas estava com muita dor para conseguir ir muito longe. Paige me ajudou.
— Então cuidaremos dela. Prometo.
Maxon, Paige e eu entramos na traseira do caminhão. O assoalho de metal me pareceu estranhamente reconfortante durante a volta ao palácio.
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