sábado, 2 de agosto de 2014

15° Capitulo - A Escolha

 ACORDEI COM DOR DE CABEÇA. Um pouco chorosa, levei a mão à testa, mas dei um grito quando senti a dor aguda no braço por causa do movimento.
— Aqui — disse Mary, sentando na beira da cama para me dar dois comprimidos e um copo d’água.
Sentei devagar para tomar, ainda com a cabeça latejando.
— Que horas são?
— Quase onze — disse Mary. — Avisamos que a senhorita não estava bem e por isso não desceria para o café. Se nos apressarmos, podemos aprontá-la para almoçar com o resto da Elite.
A ideia de me apressar ou mesmo de comer não pareciam atraentes, mas talvez fosse melhor voltar à rotina. O risco que tínhamos corrido na noite anterior ficava cada vez mais claro, e eu não queria dar motivos para ninguém suspeitar que algo tinha acontecido.
Concordei com a cabeça e levantei. Minhas pernas não estavam tão firmes quanto eu desejava, mas mesmo assim andei até o banheiro. Anne fazia a limpeza em frente à porta, do lado de fora, ao passo que Lucy estava sentada em uma poltrona, costurando mangas no que provavelmente era um vestido de alça. Ela levantou os olhos para mim e perguntou:
— A senhorita está bem? Tomamos um susto enorme.
— Sinto muito. Acho que estou bem, na medida do possível.
Lucy sorriu.
— Estamos prontas para ajudá-la no que precisar. É só pedir.
Não entendi muito bem o que ela quis dizer, mas aceitaria qualquer oferta de ajuda nos próximos dias.
— Ah, o soldado Leger passou por aqui, e o príncipe também. Os dois pediram que a senhorita os avisasse quando estiver melhor.
— Faço isso depois do almoço — afirmei.
Sem que me desse conta, meu braço já estava sendo examinado por outra pessoa. Anne olhava a ferida de perto, levantando cuidadosamente as bandagens para analisar a situação.
— Não está infeccionado. Vai sarar logo se continuarmos limpando bem. Gostaria de ter feito um trabalho melhor. Sei que vai deixar uma marca — lamentou.
— Não se preocupe. As melhores pessoas sempre carregam alguma cicatriz.
Pensei nas mãos de Marlee e nas costas de Maxon. Os dois possuíam marcas permanentes de sua coragem. Era uma honra me juntar a eles.
— Senhorita America, a banheira está pronta — Mary avisou do banheiro.
Olhei seu rosto, depois o de Lucy e, por fim, o de Anne. Sempre fora próxima de minhas criadas, sempre confiara nelas.
No entanto, algo tinha mudado depois da noite anterior. Pela primeira vez, nossos laços tinham sido testados. E, na manhã seguinte, à luz do dia, ainda estavam lá, firmes e fortes. Eu não sabia como provar que minha lealdade a elas era recíproca, mas esperava que uma oportunidade aparecesse.


Se me concentrasse, era capaz de levar o garfo à boca sem fazer caretas. Tinha de fazer um esforço extraordinário, a ponto de começar a suar no meio da refeição. Decidi me concentrar no pão; não precisava do braço direito para arrancar alguns pedaços.
Kriss me perguntou sobre a enxaqueca – imaginei que era a história que circulava – e, apesar de ser impossível ignorar meu braço e minha cabeça, disse a ela que estava melhor. Foi a única menção ao assunto. Aparentemente, ninguém tinha percebido que havia algo fora do comum.
Enquanto mastigava um pedaço de pão, imaginava como as outras garotas teriam se saído se estivessem em meu lugar. Concluí que a única a se sair melhor seria Celeste. Sem dúvida ela teria dado um jeito de contra-atacar. Por um segundo, fiquei com um pouco de inveja por não ser mais parecida com ela.
Assim que levaram nossas bandejas para fora do Salão das Mulheres, Silvia entrou e nos pediu atenção.
— Garotas, chegou a hora de vocês brilharem de novo. Daqui a uma semana, haverá uma pequena recepção na hora do chá, e vocês evidentemente estão convidadas.
Respirei fundo, me perguntando para quem iríamos fazer sala daquela vez.
— Vocês não serão responsáveis por preparar nada, mas devem se comportar da melhor maneira possível, pois tudo será filmado — continuou Silvia.
Até me animei um pouco. Dava para encarar.
— Cada uma de vocês convidará duas pessoas para a recepção; esta será sua única responsabilidade. Escolham bem e me avisem até sexta.
Silvia se retirou, e todas nós ficamos ruminando ideias. Sabíamos que se tratava de um teste. Quem ali possuía os contatos mais incríveis, mais valiosos?
Talvez fosse paranoia minha, mas senti que eu era o alvo da tarefa. O rei devia estar buscando maneiras de recordar a todos que eu era inútil.
— Quem você vai chamar, Celeste? — perguntou Kriss.
Ela deu de ombros.
— Ainda não sei, mas garanto que serão fantásticos.
Se eu tivesse a lista de amigos de Celeste à disposição, também não estaria nervosa. Quem eu convidaria? Minha mãe?
Celeste voltou-se para mim, de um jeito até carinhoso.
— Quem você pensa em trazer, America?
Tentei esconder o choque. Mesmo depois daquele momento de sinceridade na biblioteca, era a primeira vez que ela se dirigia a mim como amiga. Limpei a garganta e respondi:
— Não faço ideia. Acho que não conheço ninguém que valha a pena convidar. Melhor não trazer ninguém.
Talvez eu não devesse ter sido tão franca sobre a minha desvantagem, mas, em todo caso, as outras já estavam cientes dela.
— Bom, se você não conseguir encontrar ninguém, me avise — disse Celeste. — Tenho mais de dois amigos que gostariam de visitar o palácio, e posso garantir que você pelo menos faça uma ideia de quem são. Se quiser, é claro.
Olhei para ela, prestes perguntar qual era o truque. Mas seu olhar me dizia que não havia truque. E tive certeza quando ela piscou para mim, assim que Elise e Kriss se distraíram. Celeste, a lutadora incansável, estava torcendo por mim.
— Obrigada — agradeci, me sentindo realmente honrada.
Ela deu de ombros.
— Sem problemas. Se vamos fazer uma festa, melhor que seja boa.
Ela se reclinou na cadeira mais uma vez, sorrindo. Tive a certeza de que ela encarava esse evento como sua despedida do palácio. Parte de mim queria dizer a ela para não desistir, mas não dava. Apenas uma de nós ficaria com Maxon no final.


À tarde, eu já tinha esboçado um plano. Dependia de uma coisa, porém: da ajuda de Maxon.
Estava certa de que nos encontraríamos antes do final do dia, então não me preocupei muito com isso. Por ora, precisava descansar. Voltei para o quarto.
Anne estava lá, me esperando com mais pílulas e água. Sua calma diante da situação era incrível.
— Estou em dívida com você — disse ao tomar o remédio.
— Não — Anne protestou.
— Sim! As coisas teriam sido bem piores se você não estivesse lá.
Ela tomou o copo da minha mão com delicadeza e falou:
— Fico feliz por vê-la bem.
Ela seguiu para o banheiro para jogar o resto da água fora. Fui atrás.
— Não há nada que eu possa fazer por você? Nada mesmo?
Anne deteve-se em frente à pia. Estava claro que tinha algo em mente.
— De verdade, Anne. Isso me deixaria muito feliz.
Ela soltou um suspiro e começou:
— Bem, há uma coisa…
— Por favor, fale.
Anne levantou os olhos.
— Mas a senhorita não pode deixar ninguém saber. Mary e Lucy jamais me deixariam em paz.
— Como assim? — perguntei, com a testa franzida.
— É… é muito pessoal.
Suas mãos tremiam de nervoso, algo que nunca tinha acontecido. Pude ver como aquilo era importante para ela.
— Muito bem, vamos conversar sobre isso — incentivei-a, e depois passei meu braço bom sobre seu ombro para levá-la até a mesa.
Ela sentou de pernas cruzadas e descansou as mãos sobre o colo.
— Então… é que a senhorita parece se dar tão bem com ele. Ele parece tê-la em tanta consideração.
— Maxon?
— Não — sussurrou, com as bochechas completamente vermelhas.
— Não entendo.
Anne respirou fundo.
— O soldado Leger.
— Aaaah — foi minha reação; tinha ficado mais chocada do que era possível expressar.
— A senhorita acha que não tenho chance, não é?
— Não é que você não tenha chances — insisti. Só não sabia como dizer ao homem que prometeu lutar por mim até o fim que ele deveria ir atrás de outra pessoa.
— Ele sempre fala tão bem da senhorita. Sei que se falasse de mim para ele ou se descobrisse se ele tem uma namorada à sua espera…
Dei um suspiro.
— Vou tentar, mas não posso prometer nada.
— Eu sei. Não se preocupe. Tenho repetido para mim mesma que não vai dar certo, mas não consigo parar de pensar nele.
— Sei como é — eu disse, com a cabeça baixa.
Anne então pôs uma mão sobre a mesa.
— E não é por ele ser Dois. Mesmo se fosse Oito, ainda gostaria de alguém como ele.
— Muita gente gostaria — confirmei.
Era verdade. Celeste reparara em Aspen, Kriss o considerava divertido e mesmo aquela tal Delilah parecia ter uma queda por ele. Isso sem contar as garotas de Carolina que tinham ido atrás dele. Ouvir isso já não me incomodava muito, mesmo que fosse de uma pessoa próxima como Anne.
Era mais um sinal de que o que eu sentia por Aspen tinha acabado. Se eu me alegrava com a ideia de que alguém assumisse meu lugar, então já não era para ficarmos juntos.
Ainda assim, não sabia como lidar com o assunto.
Estendi o braço sobre a mesa e segurei a mão de Anne.
— Vou tentar. Juro.
Ela sorriu, mas mordia os lábios de ansiedade.
— Mas, por favor, não conte às outras.
Apertei sua mão e lhe assegurei:
— Você sempre guardou meus segredos. Sempre guardarei os seus.

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