quarta-feira, 6 de agosto de 2014

16° Capitulo - A Escolha

ALGUMAS HORAS DEPOIS, Aspen bateu à porta. Minhas criadas apenas fizeram uma reverência e saíram; sabiam que a conversa, sobre o que quer que fosse, precisava ser particular. Estranhei esse novo acordo tácito entre nós, mas de algum modo já contava com ele.
— Como você está?
— Não estou mal — respondi. — Meu braço ainda lateja um pouco, e tenho dor de cabeça. De resto, tudo bem.
Aspen balançou a cabeça.
— Não devia ter deixado você ir.
Apontei para um espaço vazio ao meu lado na cama e convidei:
— Sente aqui.
Ele hesitou um pouco. Na minha opinião, já estava acima de qualquer suspeita. Maxon e minhas criadas sabiam que conversávamos, e ele tinha nos levado para fora do palácio na noite anterior. Qual era o risco? Ele devia ter pensado o mesmo, porque finalmente sentou, mantendo uma distância respeitosa para garantir.
— Faço parte disso, Aspen. Não podia ficar. E não há nada de errado comigo. Graças a você. Você salvou minha vida ontem.
— Se eu não tivesse sido rápido, ou se Maxon não tivesse ajudado você a pular o muro, você seria prisioneira em algum lugar agora. Quase deixei você morrer. Quase deixei Maxon morrer. — Ele balançou a cabeça e olhou para o chão. — Você sabe o que aconteceria comigo e com Avery se vocês dois não voltassem? Você sabe… — Aspen fez outra pausa, se segurando para não chorar. — Você sabe o que me aconteceria se não tivéssemos encontrado você?
Ele olhou nos meus olhos, com o rosto cheio de dor.
— Mas você me encontrou, me protegeu. Conseguiu ajuda. Você foi ótimo.
Passei a mão pelas costas de Aspen, na tentativa de confortá-lo.
— Agora eu sei, Meri, que não importa o que aconteça… sempre vai existir uma ligação entre nós. Nunca deixarei de me preocupar com você. Nunca deixarei de me importar com o que você faz. Você sempre vai significar muito para mim.
Enlacei a mão no braço dele e apoiei a cabeça em seu ombro.
— Sei o que você quer dizer.
Ficamos assim por um tempo. Imaginava que Aspen fazia o mesmo que eu naquele momento: repassava toda a nossa história em sua cabeça. Como nos evitávamos quando éramos crianças; os olhares que trocávamos quando ficamos mais velhos; os milhares de instantes roubados na casa da árvore. Tudo que ajudou a construir nossa identidade.
— America, preciso falar uma coisa.
Levantei a cabeça. Aspen se virou para mim e segurou carinhosamente meus braços.
— Quando eu disse que sempre amaria você, estava falando sério. E eu… eu…
Ele era incapaz de dizer as palavras. Para ser sincera, agradeci aos céus por isso. Sim, eu estava ligada a ele, mas já não éramos mais aquele casal da casa da árvore.
Ele deu uma risada leve.
— Acho que preciso dormir. Não consigo pensar direito.
— Nós dois precisamos. E há tanto para pensar.
Aspen fez que sim com a cabeça e disse:
— Ouça, Meri, não podemos fazer isso de novo. Não diga a Maxon que o ajudarei com outra ideia arriscada. E não espere que os leve às escondidas para qualquer lugar.
— Nem tenho certeza de que valeu a pena. Não acho que Maxon faria de novo.
— Ótimo.
Ele pôs o quepe na cabeça e levantou. Em seguida, beijou minha mão.
— Senhorita — despediu-se, irônico.
Sorri e apertei um pouco sua mão, gesto que ele retribuiu. Permanecemos de mãos dadas, e eu apertava a dele cada vez mais. Percebi então que em breve teria de acabar de vez com aquilo. De verdade.
Olhei nos olhos dele; podia sentir as lágrimas ameaçando sair. Como digo adeus para você? Ele acariciou minha mão com o polegar e a pôs sobre meu colo. Beijou minha cabeça antes de sair.
— Fique calma. Amanhã virei visitá-la.


Cutuquei brevemente a orelha na hora do jantar para avisar Maxon que eu esperava por ele naquela noite. De volta ao quarto, me sentei diante do espelho desejando que os minutos passassem mais rápido. Mary escovava meus cabelos, cantarolando baixinho. Reconheci vagamente a melodia; parecia algo que eu já tinha tocado em algum casamento. Quando cheguei à Seleção, não via a hora de voltar para aquela vida. Queria de volta o mundo repleto de música que eu sempre amei.
Porém, aquilo nunca tinha sido algo a que eu devesse me apegar. Não importava o caminho que minha vida tomasse daquele momento em diante, a relação entre mim e a música seria apenas nas festas, para entreter algum convidado, ou uma maneira de relaxar nos finais de semana.
Olhei no espelho e percebi que essa perspectiva não me deixava amargurada, não como eu pensava que deixaria. Sentiria saudades, mas a música era apenas uma parte do que eu era, não mais tudo o que eu era. Havia uma série de possibilidades diante de mim, não importava como a Seleção evoluísse.
Eu realmente era mais que minha casta.
A batida leve de Maxon na porta interrompeu meus pensamentos, e Mary abriu.
— Boa noite — o príncipe saudou Mary ao entrar, e ela respondeu com uma reverência.
Seus olhos cruzaram com os meus por um instante e me perguntei se Maxon conseguia perceber como eu me sentia em relação a ele, se aquilo era tão real para ele quanto era para mim.
— Alteza — Mary despediu-se em voz baixa. Estava a ponto de deixar o quarto quando Maxon fez um gesto com a mão.
— Perdão, mas você poderia me dizer seu nome?
Ela o encarou por um momento, lançou um olhar para mim e depois focou em Maxon novamente.
— Mary, Alteza.
— Mary. E Anne, que conheci na noite passada.
Anne fez que sim com a cabeça. Maxon então prosseguiu, com os olhos em Lucy:
— E você?
— Lucy — ela respondeu baixinho, mas dava para sentir sua alegria por ter sido notada.
— Excelente. Anne, Mary e Lucy. É ótimo conhecê-las de fato. Estou certo de que Anne contou a vocês sobre a noite anterior, para que pudessem servir a senhorita America da melhor maneira possível. Agradeço a dedicação e a discrição.
Ele olhou para cada uma delas.
— Tenho consciência de que as coloquei em uma situação comprometedora. Caso alguém pergunte sobre o acontecido, sintam-se à vontade para direcionar essa pessoa a mim. A decisão foi minha, então vocês não podem ser responsabilizadas por quaisquer consequências.
— Obrigada, Alteza — disse Lucy.
Sempre achei que minhas criadas nutriam profunda devoção por Maxon, mas, a partir daquela noite, a admiração parecia ultrapassar a simples obrigação. No passado, eu pensava que o maior nível de lealdade era reservado ao rei, mas agora me perguntava se isso era verdade. Cada vez mais, pequenas coisas me faziam pensar que as pessoas preferiam seu filho.
Talvez eu não fosse a única a julgar que os métodos do rei Clarkson eram selvagens e suas ideias, cruéis. Talvez os rebeldes não fossem os únicos a apoiar Maxon. Talvez houvesse outros por aí que também quisessem mais.
Minhas criadas fizeram uma reverência e saíram. Maxon ficou de pé ao meu lado.
— O que foi isso? Digo, querer saber seus nomes?
Ele suspirou.
— Na noite passada, quando o soldado Leger mencionou o nome de Anne e eu não sabia de quem se tratava… fiquei envergonhado. Por acaso eu não deveria conhecer as pessoas que cuidam de você melhor do que um guarda aleatório?
Ele não é tão aleatório, pensei. Mas disse:
— Para ser sincera, as criadas fofocam sobre os guardas o tempo todo. Não ficaria surpresa se os guardas fizessem o mesmo.
— Mesmo assim. Elas estão diariamente com você. Há meses que eu deveria saber seus nomes.
Seu raciocínio me fez sorrir. Resolvi me levantar, embora Maxon não parecesse gostar da ideia de que eu fizesse qualquer movimento.
— Estou bem, Maxon — garanti, ao tomar sua mão estendida.
— Você foi baleada na noite passada, se não estou enganado. Não pode me culpar por ficar preocupado.
— Não foi um buraco de bala de verdade. Foi só de raspão.
— Não importa, não vou me esquecer tão cedo dos seus gritos abafados enquanto Anne cuidava da ferida. Vamos, você devia estar descansando.
Maxon me levou até a cama, e deitei. Ele me cobriu com os edredons antes de se sentar e ficar olhando para mim. Eu esperava que dissesse algo sobre tudo o que aconteceu ou que me prevenisse sobre as prováveis consequências, mas não. Ele não disse nada. Permaneceu ali, acariciando meu cabelo, às vezes minha bochecha.
Minha sensação naquele momento era de que só nós dois existíamos no mundo.
— Se alguma coisa tivesse acontecido…
— Mas não aconteceu.
Maxon revirou os olhos. Sua voz era séria:
— É claro que aconteceu! Você voltou sangrando para casa. Quase perdemos você na rua.
— Veja, não estou chateada com a minha escolha — argumentei, na tentativa de acalmá-lo. — Quis ir, ouvir por mim mesma. Além disso, não podia deixar você ir sem mim.
— Não consigo acreditar no nosso despreparo. Sair do palácio de caminhão sem levar mais guardas, com rebeldes à solta nas ruas. Desde quando eles não se escondem mais? Onde conseguem armas? Estou perdido, impotente. Perco um pedaço do meu país todos os dias. E eu o amo. Quase perdi você, e eu…
Maxon se deteve; seu ar de frustração transformou-se em algo novo. Ele pôs a mão de volta na minha bochecha.
— Na noite passada, você falou algo… sobre amor.
Desviei o olhar.
— Falei — confirmei, enquanto tentava esconder meu rosto corado.
— É estranho quando você acha que disse algo mas na verdade nunca disse.
Abri um sorriso. Tinha a sensação de que as palavras sairiam na próxima vez em que ele abrisse a boca. Em vez disso, ele falou:
— Também é estranho quando você acha que ouviu algo mas na verdade nunca ouviu.
Toda a graça desapareceu de imediato.
— Sei o que quer dizer. — Engoli em seco. Ele parou de acariciar minha bochecha e segurou minha mão, consciente de que estávamos os dois assistindo a esses movimentos. — Talvez para algumas pessoas seja difícil declarar isso. Como se estivessem preocupadas que talvez não conseguissem chegar até o fim.
Ele soltou um suspiro.
— Ou pode ser difícil dizer quando você está preocupado que a pessoa talvez não queira ir até o fim… pois talvez nunca tenha desistido de outra pessoa.
— Isso não é… — comecei, balançando a cabeça.
— Tudo bem.
Apesar de tudo que dissemos no abrigo, de tudo que confessamos um ao outro, de tudo que estava decidido em meu coração, aquelas palavrinhas eram a coisa mais assustadora para nós. Pois, uma vez pronunciadas, não poderiam ser recuperadas.
Eu ainda não compreendia bem os motivos dele para hesitar, mas conhecia os meus. Se ele terminasse com Kriss depois de eu ter aberto meu coração, ficaria chateada com ele, mas odiaria a mim mesma. Era um risco que eu temia demais para assumir.
O silêncio me deixava desconfortável. Quando ficou insuportável, falei:
— E se falássemos sobre isso novamente quando eu estiver melhor?
— Claro. Que falta de noção a minha — Maxon respondeu, com um suspiro.
— Não, não. É que há outra coisa que queria pedir.
De fato, naquele momento havia coisas mais importantes em que pensar.
— Diga.
— Pensei sobre meus convidados para a recepção, mas preciso de sua aprovação.
Ele me encarou, confuso.
— E gostaria que você soubesse de tudo que planejo discutir com eles. Talvez tenhamos que infringir várias leis, então não farei nada se você não topar.
Intrigado, Maxon se ajeitou para ouvir.
— Conte tudo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor evite xingamentos