quarta-feira, 6 de agosto de 2014

22° Capitulo - A Escolha

NÃO ME LEMBRO MUITO DAQUELA EDIÇÃO DO JORNAL OFICIAL. Sentei em meu pedestal, pensando que a cada segundo eu estava mais perto de ser expulsa. Então comecei a perceber que ficar não seria muito melhor. Recuar e ler aquelas mensagens horríveis seria dar a vitória ao rei. Talvez Maxon me amasse, mas se não era homem o suficiente para dizê-lo em voz alta, como seria capaz de me proteger da coisa mais assustadora da minha vida, que era o pai dele?
Eu sempre teria que ceder à vontade do rei Clarkson e, por mais apoio que desse aos rebeldes nortistas, Maxon estaria sempre sozinho no palácio.
Estava com raiva de Maxon, com raiva de seu pai, com raiva da Seleção e de tudo que vinha junto. Uma imensa frustração apertava meu peito, nada mais parecia fazer sentido e eu queria muito falar com as garotas sobre o que estava acontecendo. Mas era impossível. Não melhoraria nem um pouco minha situação, e só pioraria a delas. Cedo ou tarde, eu teria que enfrentar essas preocupações sozinha.
Desviei o olhar para a esquerda, onde estavam os outros assentos da Elite. Percebi então que, quem quer que ficasse, teria de encarar aquilo sem as outras. A pressão do público, querendo saber de nossas vidas e fazer parte delas, assim como os desmandos do rei, sempre pronto para manipular todos ao seu redor, tudo pesaria sobre os ombros de uma só garota.
Aos poucos, estendi a mão para Celeste e toquei a dela com os dedos. Assim que ela percebeu, segurou minha mão firme e olhou para mim, preocupada.
— O que houve? — perguntou, quase sem emitir som algum.
Dei de ombros.
Ela continuou segurando minha mão.
Depois de um minuto, ela também se entristeceu um pouco. Enquanto os homens engravatados tagarelavam, ela estendeu a mão até Kriss, que a apertou sem hesitar. Segundos depois, já tinha dado a outra mão a Elise. E ali estávamos nós, nos bastidores, nos apoiando. A perfeccionista, a queridinha, a diva… e eu.


Passei a manhã seguinte no Salão das Mulheres sendo o mais obediente possível. Vários parentes da família real tinham chegado à cidade, prontos para celebrar o Natal em grande estilo. Naquela noite, teríamos um excelente jantar acompanhado de músicas natalinas. Geralmente a noite de Natal era uma das minhas datas preferidas, mas estava transtornada demais para me empolgar.
Tivemos uma refeição incrível que mal saboreei e recebemos presentes do público que nem vi direito. Estava arrasada. Quando os visitantes começaram a ficar “alegres” com as bebidas, dei um jeito de escapar; não estava a fim de fingir animação. Até o fim da noite, tinha que decidir se aceitava fazer os comerciais ridículos do rei Clarkson ou se deixava que ele me expulsasse. Precisava pensar.
De volta ao quarto, dispensei as criadas e fui até a escrivaninha, perdida em pensamentos. Não queria fazer aquilo, não queria dizer às pessoas para ficarem satisfeitas com o que tinham, mesmo que não tivessem nada. Não queria desencorajar as pessoas a ajudar umas às outras. Não queria eliminar a possibilidade de que conseguissem algo melhor nem queria ser o rosto e a voz de uma campanha que pregava: “Fique quieto. Deixe o rei cuidar da sua vida. É o melhor que você pode esperar”.
Mas… eu não amava Maxon?
Um segundo depois, alguém bateu na porta. Relutante, fui atender, temendo que fosse o rei Clarkson para executar seu ultimato.
Abri a porta e dei com Maxon. Ele permaneceu ali, calado.
Toda a minha raiva fez sentido. Queria tudo dele, tudo para ele, porque queria cada parte dele. Estava furiosa porque tinha muita gente metida naquilo: as garotas, os pais de Maxon, até Aspen. Milhares de condições, opiniões e obrigações nos rodeavam e se colocavam entre nós, e eu odiava Maxon porque ele vinha acompanhado de todos esses problemas.
E eu o amava mesmo assim.
Estava a ponto de aceitar fazer aqueles pronunciamentos horríveis quando ele estendeu a mão calmamente.
— Vem comigo?
— Vou.
Fechei a porta e segui Maxon pelo corredor.
— Você tem razão — ele começou. — Tenho medo de me revelar por inteiro a vocês. Você vê algumas partes, Kriss vê outras, e assim por diante. Fiz isso de acordo com o que parecia mais apropriado para cada uma. Com você, sempre gosto de vir a seu encontro, ao seu quarto. É como se eu entrasse um pouco em seu mundo e, se fizer isso o bastante, posso ter você por inteiro. Faz sentido?
— Um pouco — respondi quando começamos a subir a escadaria.
— Mas não é justo nem muito exato. Você me explicou uma vez que os quartos não são de vocês, são nossos. Em todo caso, pensei que era hora de mostrar a você outra parte do meu mundo, talvez a última que você ainda não conheça.
— O quê?
Ele fez um sinal para pararmos diante de uma porta.
— Meu quarto.
— Sério?
— Apenas Kriss esteve aqui, e mostrei um pouco por impulso. Não lamento, mas acho que precipitei demais as coisas. Você sabe como sou reservado.
— Sei.
Ele segurou a maçaneta.
— Quero dividir isso com você, e acho que já não era sem tempo. Não é nada muito especial, mas é meu. Então, sei lá, só quero que você veja.
— Tudo bem.
Era óbvio que ele estava um pouco envergonhado. Talvez por ter esperado uma reação mais empolgada da minha parte, talvez por já estar arrependido.
Maxon respirou fundo, abriu a porta e fez um gesto para que eu entrasse na frente.
Era enorme. As paredes eram revestidas de um tipo de madeira escura que eu não conhecia. Na parede ao fundo, havia uma grande lareira esperando para ser usada. Devia ser apenas decoração, já que em Angeles nunca fazia frio suficiente para justificar que ela fosse acesa.
A porta do banheiro estava entreaberta; era possível ver uma banheira de porcelana sobre o piso elaborado de azulejos. Maxon possuía uma biblioteca particular, e a mesa perto da lareira parecia mais de jantar do que de trabalho. Imaginei quantas refeições ele não teria feito ali sozinho. Perto das portas que davam para a sacada, havia um armário com portas de vidro cheio de pistolas perfeitamente enfileiradas. Tinha me esquecido de sua paixão pela caça.
Sua cama, também de madeira escura, era gigante. Quis chegar perto e tocá-la para ver se era tão boa quanto parecia.
— Maxon, cabe um time de futebol aqui dentro.
— Já tentei uma vez. Não é tão confortável quanto você imagina.
Virei para ele para lhe dar um cutucão, feliz por vê-lo de bom humor. Foi então que vi, atrás de seu rosto sorridente, as fotos. Soltei um suspiro quando descobri aquela coleção incrível.
Na parede da porta havia um enorme mural com fotografias, grande o suficiente para cobrir a parede do meu quarto na casa dos meus pais. Aparentemente não havia qualquer ordem; ele apenas tinha colocado uma ao lado da outra aleatoriamente, para apreciá-las.
Muitas daquelas fotos com certeza tinham sido tiradas por ele, pois eram do palácio, onde passava quase todo o seu tempo.
Havia imagens de tapeçarias, fotos do teto que ele provavelmente tinha tirado deitado no carpete e várias fotos dos jardins. Havia outras, talvez de lugares que ele desejava conhecer ou que já tinha visitado alguma vez. Havia ainda algumas pontes e uma estrutura parecida com um muro que se estendia por quilômetros.
Mas, além de tudo isso, havia mais de uma dúzia de fotos minhas. Uma delas era a do formulário da Seleção; em outra, tirada para uma revista, eu estava ao lado de Maxon, usando aquela echarpe. Parecíamos felizes, como se tudo aquilo não passasse de um jogo. Nunca tinha visto aquela foto, nem a que tinha saído no artigo sobre o Halloween. Lembrava de Maxon atrás de mim quando fui ver os esboços para minha fantasia: enquanto eu observava os desenhos, Maxon olhava de canto para mim.
Então, havia as fotos que ele tinha tirado de mim. Uma de quando o rei e a rainha da Noruécia haviam visitado o palácio; eu estava com cara de susto porque Maxon apareceu do nada dizendo “sorria!”. Havia outra em que eu estava sentada no estúdio do Jornal Oficial, rindo de Marlee. Ele devia ter se escondido por trás dos holofotes, tirando retratos espontâneos. Por fim, vi também uma fotografia em que eu estava sozinha na sacada do meu quarto, olhando a lua.
As outras garotas também estavam lá; as remanescentes mais do que as outras. Ainda assim, era possível ver Anna com uma paisagem ao fundo ou Marlee em um canto, sorrindo. E, embora fossem recentes, também estavam lá as fotos de Kriss e Celeste posando no Salão das Mulheres, de Elise fingindo estar desmaiada no sofá e de mim abraçada com sua mãe.
— Maxon — falei, extasiada —, são lindas.
— Você gosta?
— Estou impressionada. Quantas foi você quem tirou?
— Quase todas, mas tive que pedir algumas, como esta — ele disse, apontando para uma das fotos de revista. — Esta aqui eu tirei na região sul de Hondurágua — continuou, mostrando outra imagem. — Costumava achar interessante, mas hoje fico triste ao vê-la.
A foto mostrava chaminés despejando fumaça no céu.
— Eu gostava de ver a fumaça ser jogada no ar — continuou —, mas agora me lembro de como odiava aquele cheiro. E as pessoas vivem em meio àquilo. Eu era tão alienado.
— Onde é esse lugar? — perguntei sobre o grande muro de tijolos.
— Nova Ásia. Antigamente era a fronteira norte da China. Chamavam de Grande Muralha. Já foi espetacular, mas agora está praticamente destruída. Corta quase metade da Nova Ásia. Eles tinham se expandido até esse ponto.
— Uau.
Maxon pôs as mãos atrás das costas.
— Eu esperava que você fosse gostar.
— Gostei. Muito. Quero que você faça um mural desse para mim.
— Quer?
— Sim. Ou apenas me ensine a fazer um. Já perdi a conta de quantas vezes quis registrar momentos da minha vida e guardá-los assim. Eu trouxe algumas fotos da minha família e recebi uma com o bebê da minha irmã, mas é só. Jamais cheguei a pensar em escrever um diário ou anotar as coisas… E, vendo essas fotos agora, consigo entender você bem melhor.
Aquilo era a essência de Maxon. Pude intuir o que era permanente – como seu constante confinamento no palácio e as poucas viagens – e o que mudava. Por exemplo, as garotas e eu estávamos no mural porque tínhamos invadido seu mundo. Mesmo à medida que fôssemos saindo, não deixávamos o lugar completamente.
Cheguei perto e pus o braço em volta de suas costas. Ele fez o mesmo comigo. Permanecemos ali calados por um tempo, contemplando aquilo tudo. E então me ocorreu uma coisa que deveria ser óbvia desde o princípio.
— Maxon?
— Sim?
— Se as coisas fossem diferentes, se você não fosse o príncipe e pudesse escolher sua profissão, escolheria isso? — perguntei, apontando para o mural.
— Você diz fotografar?
— Sim.
— Com certeza — respondeu sem pestanejar. — Fotos artísticas ou até retratos de família. Faria fotos para publicidade. Tudo o que fosse possível. Sou apaixonado por isso. Acho que dá para notar.
— Dá.
Abri um sorriso, feliz por saber disso.
— Por que a pergunta?
— É que… — virei para ele — você seria Cinco.
Maxon refletiu sobre minhas palavras.
— Fico feliz.
— Eu também.
De súbito, Maxon me encarou, segurando minhas mãos.
— Diga, America. Por favor. Diga que me ama, que quer ser só minha.
— Não posso ser só sua com as outras garotas aqui.
— E não posso mandá-las de volta sem ter certeza dos seus sentimentos.
— E não tenho como dar certeza sabendo que amanhã você pode fazer a mesma coisa com Kriss.
— Fazer o que com Kriss? Ela já viu meu quarto, já disse.
— Não isso. Dar esperanças a ela. Fazê-la ter a sensação de que…
— De que…? — ele quis saber depois de esperar um segundo.
— De que é a única que importa. Ela é louca por você. Já me disse. E acho que ela é correspondida.
Maxon suspirou em busca de palavras.
— Não posso dizer que ela não significa nada para mim. Mas posso dizer que você significa mais.
— Como vou ter certeza disso se você é incapaz de mandá-la embora?
Um sorriso malicioso se abriu em seu rosto. Ele encostou os lábios em meu ouvido.
— Posso pensar em outras maneiras de mostrar o que você me faz sentir — sussurrou.
Engoli em seco, assustada e ansiosa para que ele dissesse mais. Seu corpo veio de encontro ao meu. Sua mão desceu pelas minhas costas e me puxou contra si. A outra mão tirou o cabelo do meu pescoço. Eu tremia enquanto ele encostava os lábios sobre minha pele. Sua respiração era tão tentadora.
Era como se eu tivesse me esquecido de como controlar meu corpo. Não conseguia abraçá-lo nem me mexer, mas Maxon deu um jeito nisso. Me empurrou devagar para trás, até me encostar contra suas fotos.
— Quero você, America — ele sussurrou em meu ouvido. — Quero que você seja só minha. E quero dar tudo a você.
Seus lábios vieram beijando minha bochecha até pararem no canto da minha boca.
— Quero dar a você coisas que nem sabia que queria. Quero — ele disse, e senti sua respiração em meu rosto — desesperadamente…
Uma batida forte soou à porta.
Estava tão perdida nas carícias, nas palavras e no cheiro de Maxon que o som me deixou estonteada. Viramos para a porta, mas Maxon logo encostou seus lábios nos meus mais uma vez.
— Não se mexa. Faço questão de continuar essa conversa.
Ele me beijou devagar e foi abrir a porta.
Permaneci imóvel e ofegante. Disse a mim mesma que talvez fosse uma má ideia deixá-lo me beijar até eu confessar. Mas ponderei que aquele seria o único jeito de eu ceder.
Maxon abriu a porta, mantendo-me escondida do visitante. Passei a mão pelos cabelos para me recompor.
— Perdão, alteza — alguém disse. — Procuramos a senhorita America, e as criadas disseram que ela estaria com o senhor.
Fiquei me perguntando como minhas criadas teriam adivinhado, mas contente por estarem tão afinadas comigo. Maxon franziu a testa e olhou para mim antes de abrir a porta por completo e permitir a entrada do soldado. Ele cruzou a soleira e olhou para mim como se me inspecionasse, como se quisesse ter certeza de que aquela era eu. Uma vez satisfeito, inclinou-se para Maxon e murmurou algo em seu ouvido.
O príncipe soltou os ombros e levou a mão aos olhos; parecia incapaz de lidar com a notícia.
— Você está bem? — perguntei. Não queria que ele sofresse sozinho.
Ele se virou para mim, comovido.
— Sinto muitíssimo, America. Odeio ter de contar isso a você. Seu pai faleceu.
Não compreendi as palavras de imediato. Porém, não importava como as organizasse na minha cabeça, a impensável conclusão era sempre a mesma.
E então o quarto começou a balançar e vi Maxon com uma expressão assustada. A última coisa que senti foram os braços dele me segurando para que eu não desabasse no chão.

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