NO DIA SEGUINTE À PARTIDA DE NICOLETTA E GEORGIA, me peguei olhando para trás, desconfiada, várias vezes. Tinha certeza de que alguém tinha ouvido nossa conversa e descoberto o que eu tinha entregado aos rebeldes naquela tarde. Precisava repetir a mim mesma que, se alguém tivesse ouvido, já estaria presa. Como eu ainda podia desfrutar de um café da manhã maravilhoso com as outras garotas e a família real, precisava acreditar que tudo corria bem. Além disso, Maxon sairia em minha defesa caso necessário.
Depois do café, voltei ao quarto para retocar a maquiagem. Quando ainda estava no banheiro, passando mais uma camada de batom, alguém bateu à minha porta. Estávamos apenas Lucy e eu, e ela foi ver quem era enquanto eu terminava. Um instante depois, Lucy enfiou a cabeça pela porta e sussurrou:
— É o príncipe Maxon.
Olhei para trás um pouco surpresa.
— Ele está aqui?
Ela fez que sim com a cabeça, toda contente.
— Ele se lembrou do meu nome.
— Claro que lembrou — respondi, sorrindo.
Guardei todos os produtos e ajeitei os cabelos com a mão.
— Diga que já vou e depois pode sair discretamente.
— Como quiser, senhorita.
Maxon permanecia na porta; de maneira atípica, estava esperando meu convite para entrar. Em suas mãos, havia uma pequena caixa, em que ele batucava com os dedos, hesitante.
— Desculpe interromper. Gostaria de saber se podemos conversar um pouco.
— Claro — eu disse ao me aproximar. — Entre, por favor.
Sentamos à beira da cama.
— Quis vê-la primeiro — ele começou. — Achei melhor explicar antes que as outras viessem contar vantagem.
Explicar? Por algum motivo, aquelas palavras me deixaram preocupada. Se as outras teriam motivos para contar vantagem, eu seria excluída de algo.
— O que você quer dizer? — perguntei, tão nervosa que mordia os lábios, apesar de ter acabado de passar batom.
Maxon me entregou a caixa que segurava.
— Já esclareço, prometo. Antes, isto é para você.
Peguei a caixa e soltei um ganchinho para abri-la. Acho que respirei tão fundo que quase acabei com o ar do quarto.
Dentro da caixa havia um par de brincos e uma pulseira incríveis. Eles combinavam perfeitamente um com o outro, com pedras verdes e azuis entrelaçadas em um delicado desenho floral.
— Maxon, eu amei, mas não posso aceitar. É muito… muito…
— Pelo contrário, você precisa aceitar. É um presente, e é tradição que você os use na Condenação.
— O quê?
Ele balançou a cabeça.
— Silvia vai explicar tudo. A questão é: o príncipe tradicionalmente presenteia as garotas da Elite com as joias que usarão na cerimônia. Haverá muitos membros do governo presentes, e vocês precisam estar maravilhosas. E, diferentemente das coisas que você ganhou até agora, estas joias são reais e ficam para você.
Abri um sorriso. Claro que eles não nos dariam joias de verdade. Imaginei quantas garotas teriam voltado para casa pensando que, se não tinham conquistado Maxon, pelo menos possuíam algumas joias.
— São maravilhosas, Maxon. Bem do jeito que eu gosto. Obrigada.
Maxon levantou a mão e começou a falar.
— De nada, e isso é parte da conversa que eu vim ter. Escolhi pessoalmente os presentes de cada uma de vocês. Minha intenção era que todos fossem iguais. Contudo, você prefere usar o colar que seu pai fez, e tenho certeza de que ele seria uma segurança para você durante um evento tão grande como a Condenação. Então, enquanto as outras ganharam colares, você ganhou uma pulseira.
Ele tomou minha mão e a levantou antes de continuar.
— Sei que você é apegada ao seu botãozinho e me alegra ver que ainda gosta da pulseira que eu trouxe da Nova Ásia, mas nenhum deles é adequado à ocasião. Experimente o bracelete novo para vermos como fica.
Tirei a pulseira de Maxon e coloquei sobre o criado-mudo. Tirei também o botão de Aspen e pus dentro do jarro com a moeda de um centavo. Aquele parecia ser seu lugar por enquanto.
Virei para trás e vi Maxon com os olhos cravados no jarro, com o rosto tenso. A tensão logo sumiu, porém, e ele tirou a pulseira da caixa. Seus dedos faziam cócegas em minha pele. Quanto ele se afastou, quase perdi o fôlego mais uma vez diante da beleza daquela joia.
— É perfeita, Maxon.
— Tinha esperança de que você pensasse isso. E é exatamente por isso que precisava falar com você. Estava determinado a gastar o mesmo com todas as quatro. Queria ser justo.
Concordei com a cabeça. Parecia razoável.
— O problema é que você tem um gosto muito mais simples que o das outras. Além disso, seu presente é uma pulseira em vez de um colar. Assim, acabei gastando com você metade do que gastei com as outras, e queria que você soubesse antes de ver o que dei a elas. Também queria que você soubesse que fiz isso porque queria escolher algo que realmente agradasse você. Não teve nada a ver com a sua condição ou algo assim — Maxon explicou, com a expressão mais sincera do mundo.
— Obrigada, Maxon. É perfeita de qualquer jeito — eu disse, pondo a mão em seu braço.
Como sempre, ele ficou feliz ao ser tocado.
— Era o que suspeitava. Mesmo assim, obrigado por dizer. Tinha receio de magoá-la.
— De jeito nenhum.
O sorriso de Maxon se abriu ainda mais.
— Como ainda quero ser justo, tive uma ideia.
Ele então tirou do bolso um pequeno envelope.
— Pensei que talvez você quisesse enviar a diferença para sua família.
Fixei os olhos no envelope.
— É sério?
— Claro. Queria ser imparcial, e pensei que esse seria o melhor jeito de lidar com a diferença de valores. E também tinha a esperança de que isso deixasse você feliz.
Maxon passou o envelope para mim, e eu o segurei, ainda em choque.
— Você não precisava fazer isso.
— Eu sei. Mas às vezes a questão é o que você quer fazer, não o que você precisa fazer.
Olhamos um para o outro, e percebi o quanto ele já tinha feito por mim apenas por desejar. Trouxe calças quando eu não podia usá-las, uma pulseira do outro lado do mundo… Com certeza ele me amava. Certo? Por que não dizia logo?
Estamos a sós, Maxon. Se você disser, eu digo também.
Nada.
— Não sei como agradecer, Maxon.
Ele sorriu.
— Só de ouvir você dizer isso já é bom — falou. — Estou sempre interessado em saber como você se sente.
Ah, não. Sem chance. Eu não ia dizer primeiro.
— Bem, me sinto muito grata. Como sempre.
Maxon deixou escapar um suspiro.
— Fico feliz que você tenha gostado.
Sem parecer tão feliz assim, ele começou a olhar para o tapete.
— Preciso ir. Ainda tenho que dar o presente das outras.
Levantamos juntos, e o acompanhei até a porta. Ao sair, beijou minha mão. E, depois de acenar com a cabeça rapidamente, desapareceu no fim do corredor e foi visitar as outras.
Voltei para a cama e olhei de novo os presentes. Não conseguia acreditar que algo tão lindo seria meu, para sempre. Jurei a mim mesma que – ainda que voltasse para casa, que todo o meu dinheiro acabasse, que minha família ficasse completamente arruinada – nunca venderia ou me desfaria daquelas joias ou da pulseira que ele tinha trazido da Nova Ásia. Eu ia guardá-las de qualquer jeito.
— A Condenação é bem simples — Silvia nos explicou na tarde seguinte, enquanto a seguíamos até o Grande Salão. — É daquelas coisas que parecem mais desafiadoras do que realmente são. Acima de tudo, é um evento simbólico.
Ela continuou a despejar informações, virando a cabeça para trás:
— Será um grande evento. Vários magistrados marcarão presença, isso sem falar nos parentes da família real. Haverá tantas câmeras que vocês vão ficar tontas.
Até o momento, a coisa parecia tudo, menos simples. Dobramos o corredor e Silvia escancarou as portas do Grande Salão. No centro, a rainha Amberly em pessoa dava instruções a alguns homens que erguiam fileiras de arquibancadas. Em um dos cantos, alguém argumentava sobre o tapete que deveria ser usado. Duas floristas discutiam quais arranjos seriam mais adequados. Aparentemente, ninguém achava que as decorações natalinas deveriam ficar. Aliás, tanta coisa estava acontecendo que quase me esquecera de que o Natal estava chegando.
Um palco com degraus na frente e nas laterais havia sido montado no fundo do salão; três tronos enormes estavam no centro da plataforma. À nossa direita, havia quatro palquinhos com apenas um assento; eram bonitos, mas um tanto isolados. Aquilo já bastava para decorar o ambiente, e eu era incapaz de imaginar qual seria o resultado quando tudo estivesse em ordem.
— Majestade — Silvia disse com uma reverência, que todas imitamos.
A rainha se aproximou de nós com o rosto iluminado por um sorriso.
— Olá, senhoritas — cumprimentou. — Silvia, o que você já explicou?
— Pouca coisa, Majestade.
— Pois bem, senhoritas. Deixem-me esclarecer sua próxima tarefa na Seleção.
A rainha nos convidou a segui-la pelo Grande Salão antes de continuar.
— A Condenação é um símbolo da nossa submissão à lei. Uma de vocês será a nova princesa e, um dia, rainha. Vivemos sob a lei, e será seu dever não apenas segui-la, mas também fazê-la valer.
Nesse momento, a rainha fez uma pausa e olhou para cada uma de nós.
— Isso começa com a Condenação — continuou. — Um criminoso, geralmente um ladrão, será trazido à presença de vocês. São casos em que a pena é geralmente o açoite, mas em vez disso os homens passarão um tempo na cadeia. E vocês irão condená-los.
A rainha achou graça de nossos rostos perplexos.
— Sei que parece cruel, mas não é. Esses homens cometeram crimes, e, em vez de encarar um castigo físico, pagarão sua dívida com tempo. Vocês testemunharam o quão doloroso pode ser apanhar com varas. Chibatas não são muito melhores. Vocês prestarão um favor a eles — ela nos encorajou.
Eu ainda não me sentia muito bem com aquilo.
Quem roubava normalmente eram pessoas pobres. Dois e Três que desrespeitavam as leis pagavam sua dívida com a sociedade em dinheiro. Os pobres eram açoitados ou presos. Lembrei-me de Jemmy, o irmão mais novo de Aspen, debruçado sobre um bloco de pedra enquanto homens arrancavam carne das suas costas com o chicote. Embora eu tenha odiado aquilo, tinha sido melhor do que se o trancafiassem na prisão. Como era jovem, os Leger precisavam que ele trabalhasse. As pessoas pareciam se esquecer desse tipo de coisa quando eram mais que Cinco.
Silvia e a rainha Amberly repassaram o cerimonial conosco algumas vezes, até nossas falas estarem perfeitas. Tentei pronunciar minhas palavras com a graça de Elise e Kriss, mas o resultado era sempre monótono.
Eu não queria pôr um homem na cadeia.
Assim que fomos dispensadas, as outras garotas caminharam juntas em direção à porta enquanto fui até a rainha. Ela estava terminando de falar com Silvia. Eu devia ter aproveitado aquele tempo para pensar em uma maneira mais elegante de me dirigir a ela. Em vez disso, quando Silvia se retirou, simplesmente desembuchei:
— Por favor, não me obrigue a fazer isso — supliquei.
— Perdão?
— Eu posso me submeter à lei, juro. Não quero bancar a difícil, mas sou incapaz de pôr um homem na cadeia. Ele não me fez nada.
Com uma expressão bondosa, ela tocou meu rosto.
— Ele fez, querida. Se você se tornar princesa, será a personificação da lei. Quando alguém viola a menor das regras, é como se você recebesse uma facada. A única forma de prevenir isso é tomar uma medida contra aqueles que agem dessa maneira, para que outros não sigam seu mau exemplo.
— Mas eu não sou princesa! — implorei. — Ninguém está me ferindo.
Ela sorriu e se aproximou do meu ouvido.
— Você não é princesa hoje, mas eu não ficaria surpresa se fosse apenas uma questão de tempo — cochichou. Em seguida, endireitou-se e piscou para mim.
Dei um suspiro. Já estava desesperada.
— Por favor, tragam outra pessoa até mim. Não alguém que roubou apenas por estar faminto.
A rainha endureceu sua expressão ao ouvir essas palavras. Continuei:
— Não quero dizer que roubar seja aceitável. Sei que não é. Mas, por favor, tragam alguém que fez algo ruim de verdade. Tragam a pessoa que matou aquele soldado que levou Maxon e eu ao abrigo na última vez que os rebeldes atacaram. Uma pessoa que devia ficar trancafiada para sempre. Então darei a sentença com alegria. Só não posso fazer isso com um Sete faminto. Não posso.
Percebi que a rainha queria ser gentil comigo, mas não toleraria aquilo.
— Permita-me ser bastante franca com você, senhorita America. De todas as garotas, você é quem precisa se esforçar mais. As pessoas já viram você correr para impedir que sua amiga fosse açoitada, sugerir o fim das castas em cadeia nacional e encorajar o povo a lutar quando a vida deles corre sério perigo — ela me lembrou, e sua expressão gentil estava séria. — Não digo que foram coisas ruins, mas você deu à maioria das pessoas a impressão de que perde o controle facilmente.
Retorci as mãos. Sabia que acabaria tendo que pronunciar a sentença, não importava o que fizesse.
— Se você quer ficar… Se Maxon é importante para você… — ela fez uma pausa, dando-me tempo para refletir —, então terá que fazer isso. Precisa mostrar que é capaz de ser obediente.
— Eu sou. Só não quero pôr ninguém na cadeia. Isso não é função de princesa. Os juízes fazem isso.
A rainha Amberly me deu um tapinha no ombro.
— Você consegue fazer isso. E vai. Se quer Maxon, precisa ser perfeita. Estou certa de que sabe que nem todos estão a seu favor.
Fiz que sim com a cabeça.
— Então faça isso.
A rainha se retirou, me deixando sozinha no Grande Salão. Subi no palco onde estava meu assento – quase um trono – e repeti minha fala mais uma vez. Tentei me convencer de que aquilo não era grande coisa. As pessoas desrespeitavam a lei e iam para a cadeia o tempo todo. Seria uma pessoa entre milhares. E eu precisava ser perfeita.
A perfeição era minha única escolha.
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