segunda-feira, 11 de agosto de 2014

31° Capitulo - A Escolha

Não sei quanto tempo passei ali. O tempo todo tentava escutar através da porta o que acontecia do lado de fora, mas sabia que era em vão. Quando Maxon e eu estivemos trancados em um abrigo algumas semanas antes, não escutamos nenhum som do exterior. E muita destruição tinha ocorrido naquele dia.
Ainda assim, eu tinha esperança. Talvez Aspen estivesse bem e abriria a porta a qualquer segundo. Ele não podia estar morto. Não. Aspen era guerreiro, desde sempre. Quando a fome e a pobreza o ameaçaram, ele reagiu. Quando perdeu o pai, garantiu a sobrevivência da família. Quando a Seleção me levou, quando o recrutamento o levou, ele não perdeu a esperança.
Comparada a tudo isso, uma bala era minúscula, insignificante. Nenhuma bala derrubaria Aspen Leger.
Grudei a orelha na porta, rezando para ouvir uma palavra, um suspiro, qualquer coisa. Aumentei a concentração, à espera de algo que soasse como a respiração difícil de Maxon embaixo daquela mesa.
Apertei os olhos, implorei a Deus para mantê-lo vivo. Com certeza, todos no palácio estavam à procura de Maxon e seus pais; eles seriam os primeiros socorridos. Não o deixariam morrer; não podiam.
Mas será que ainda havia esperança?
Ele estava tão pálido. Mesmo o último aperto que dera em minha mão tinha sido fraco.
Seja feliz.
Ele me amava. Ele me amava de verdade. E eu o amava. Apesar de tudo que poderia ter nos afastado – nossas castas, nossos erros, o mundo à nossa volta – éramos feitos um para o outro.
Eu devia estar com Maxon. Especialmente naquela hora, em que ele podia estar morrendo. Não deveria estar escondida.
Levantei e comecei a tatear as paredes em busca do interruptor. Bati no metal até encontrar. Dei uma olhada no lugar. Era menor do que o outro abrigo onde estivera. Tinha pia, mas não privada, apenas um balde no canto. Um banquinho ficava encostado à parede da porta; na parede oposta, havia uma estante com mantimentos e cobertores. Por fim, no chão, estava o revólver, frio.
Nem sabia se aquilo funcionaria, mas tinha que tentar. Empurrei o banco até o meio do abrigo e o deitei de modo que o assento ficasse na direção da porta. Me abaixei atrás dele e verifiquei a altura; aparentemente, não seria um bom escudo, mas teria que servir.
Quando fui levantar, tropecei no maldito vestido. Bufando, vasculhei a estante. Provavelmente, aquela faquinha era para abrir e cortar a comida, mas funcionou bem no tecido. Depois de cortar a saia do vestido na altura dos joelhos, usei o tecido para fazer um cinto improvisado e guardar a faca, por precaução.
Joguei os cobertores no chão na expectativa de encontrar mais alguma coisa útil. Olhei em volta uma última vez para ver se havia algo mais que pudesse levar, algo que pudesse ser adaptado. Não. Isso era tudo.
Agachada atrás do banco, mirei na trava da porta, prendi a respiração e disparei.
O som reverberou dentro daquele espaço diminuto. Mesmo que já estivesse esperando o barulho, me assustei mesmo assim. Quando tive certeza de que a bala não estava ricocheteando pelo abrigo, fui verificar a porta. Acima da trava, havia uma pequena cratera que deixava expostas as espessas camadas de metal. Fiquei zangada por ter errado, mas pelo menos soube que daria certo. Se eu acertasse a trava algumas vezes, talvez pudesse sair.
Voltei para trás do banco e tentei novamente. Todos os tiros acertaram a porta, mas nunca no mesmo lugar. Depois de um tempo, frustrada, resolvi levantar para ver se assim teria um resultado melhor. Porém, só o que consegui foi cortar meu braço com os estilhaços de metal que voaram sobre mim.
Só quando ouvi o clique surdo do revólver percebi que as balas tinham acabado. Eu estava presa. Joguei a arma no chão e avancei contra a porta com toda a força.
— Abre!
Tentei de novo.
— ABRE!
Passei a desferir socos na porta, em vão.
— Não! Não, não, não! Eu tenho que sair!
A porta não se moveu, permaneceu calada e severa, ridicularizando minha dor com sua imobilidade.
Escorreguei até o chão encostada à porta, agora chorando porque não havia nada que pudesse fazer. Naquele momento, Aspen podia ser um corpo sem vida a apenas alguns metros de mim, e Maxon… com certeza já estaria morto àquela altura.
Apoiei a cabeça na porta e abracei as pernas.
— Se estiver vivo — murmurei — deixo você me chamar de “querida”. Não vou reclamar, prometo.
Só me restava esperar.


De vez em quando, tentava imaginar que horas seriam, embora não tivesse como saber se estava certa. Cada minuto arrastado me enlouquecia. Nunca me sentira tão impotente, e a preocupação me corroía.
Após uma eternidade, ouvi a trava se mover. Alguém viera à minha procura. Não sabia se era amigo ou inimigo, então apontei o revólver vazio para a porta. Queria ao menos intimidar caso fosse um rebelde. A porta se abriu devagar, e a luz da janela entrou pela fresta. Isso significava que ainda estávamos no mesmo dia? Ou já era o dia seguinte? Permaneci firme na mira, ainda que tivesse de cobrir um pouco os olhos.
— Não atire, senhorita America! — suplicou um guarda. — A senhorita está salva!
— Como posso ter certeza? Como vou saber que você não é um deles?
O soldado olhou para o corredor, onde alguém se aproximava. August passou sob a luz, seguido de perto por Gavril. Embora seu terno estivesse praticamente destruído, seu broche – só então percebi que lembrava muito uma Estrela do Norte – ainda pendia glorioso de sua lapela ensanguentada.
Não era à toa que os nortistas tinham tantas informações.
— Acabou, America! Acabamos com eles — August confirmou.
Respirei fundo, tomada por um alívio gigantesco, e soltei a arma.
— Onde está Maxon? Está vivo? Kriss sobreviveu? — perguntei a Gavril, antes de virar novamente para August. — Um soldado me trouxe até aqui. Seu nome é Leger, você o viu? — eu perguntava quase rápido demais para ser compreendida.
Comecei a me sentir estranha, com a cabeça leve.
— Acho que ela está em choque. Leve-a para a ala hospitalar — Gavril ordenou ao guarda, que facilmente me tomou nos braços.
— Maxon? — perguntei.
Ninguém respondeu. Ou talvez eu já tivesse desmaiado.


Acordei em uma maca. Podia sentir os cortes ardendo. Olhei o braço de perto e vi que as feridas estavam limpas; as maiores estavam até enfaixadas. Estava salva.
Sentei e olhei ao redor. Estava em um pequeno consultório. A mesa e os diplomas na parede revelaram que se tratava da sala do Dr. Ashlar. Eu não podia ficar ali. Precisava de respostas.
Quando abri a porta, descobri por que tinham me colocado lá dentro. A ala hospitalar estava lotada. Quem estava menos ferido dividia o leito com outra pessoa, enquanto outros esperavam no chão entre um leito e outro. Os pacientes mais graves estavam em camas no final do corredor. Apesar do número de pessoas, tudo estava incrivelmente quieto.
Corri os olhos pelo corredor à procura de rostos conhecidos. Seria bom encontrá-los ali? O que isso queria dizer?
Tuesday estava de mãos dadas com Emmica, e ambas choravam baixinho. Reconheci vagamente algumas criadas. Elas me saudavam com a cabeça ao me ver passar, como se eu merecesse tal gesto.
Comecei a perder as esperanças quando percebi que ele não estava ali. Se estivesse, haveria um bando de gente ao seu lado, correndo para satisfazer a menor de suas necessidades. No entanto, até eu tinha sido posta em uma sala à parte. Será que ele também, talvez?
Vi um guarda com uma ferida no rosto que não dava para imaginar como tinha sido causada.
— O príncipe está aqui em algum lugar? — perguntei em voz baixa.
Ele negou com a cabeça, com um ar solene.
— Ah.
Um ferimento à bala e um coração partido podiam parecer lesões distintas. Contudo, tive a certeza de que, naquele momento, eu sangrava como Maxon. Nem pressão nem pontos cicatrizariam a ferida. Nada jamais acabaria com a dor.
Não comecei a gritar, embora sentisse que algo similar estivesse acontecendo dentro de mim. Apenas deixei as lágrimas caírem. Elas não aliviavam em nada minha situação, mas eram como uma promessa.
Nada nunca vai tomar seu lugar, Maxon. E selei nosso amor para sempre.
— Meri?
Virei em direção à voz e vi um rapaz cheio de bandagens em um dos últimos leitos da ala. Aspen.
Fui até ele, com a respiração entrecortada. Sua cabeça estava enfaixada, e o sangue brotava por baixo das ataduras. Seu peito tinha arranhões e hematomas em diversos lugares. A pior parte, porém, era a perna: engessada até o joelho, enquanto vários curativos tentavam em vão cobrir os cortes em sua coxa. Aspen estava apenas de short, e um lençol cobria sua outra perna.
Não era difícil perceber a gravidade de seus ferimentos.
— O que houve? — murmurei.
— Prefiro não contar os detalhes. Resisti bastante e derrubei uns seis ou sete antes de levar um tiro na perna. O médico diz que é provável que eu volte a apoiá-la no chão, mas terei que usar bengala. Pelo menos estou vivo.
Uma lágrima escorria silenciosa pelo meu rosto. Estava tão grata, tão assustada, tão desanimada. Não consegui evitar.
— Você salvou minha vida, Meri.
Meus olhos passaram de sua perna para seu rosto.
— O tiro que você disparou amedrontou aquele rebelde e me deu tempo para revidar. Se você não tivesse feito aquilo, ele teria me acertado nas costas e seria o fim. Obrigado.
Esfreguei os olhos.
— Foi você quem salvou minha vida. Sempre. Já era hora de eu começar a retribuir.
Ele achou graça.
— Realmente tenho uma tendência ao heroísmo, não é?
— Você sempre quis ser o cavaleiro de armadura brilhante de alguém — eu disse, balançando a cabeça e pensando em tudo o que ele já tinha feito pelas pessoas que amava.
— Meri, escute. Quando disse que sempre amaria você, eu falava sério. E acho que, se tivéssemos ficado em Carolina, já estaríamos casados e felizes. Pobres, mas felizes — ele sorriu tristemente. — Mas não ficamos em Carolina. E você mudou. Eu mudei. Você estava certa quando dizia que eu nunca tinha dado chance a mais ninguém, e por que faria isso se não fosse por tudo o que aconteceu? “É meu instinto lutar por você, Meri. Demorei para ver que você já não queria que eu fizesse isso. Mas, ao mesmo tempo, percebi que também não queria mais lutar por você.
Olhei para ele, pasma.
— Você sempre terá um pedaço do meu coração, Meri, mas já não sou mais apaixonado por você. Penso que às vezes você ainda precisa de mim ou me quer, mas não sei se isso é certo. Você merece mais do que me ver ao seu lado por obrigação.
Deixei escapar um suspiro.
— E você merece mais do que ser alguém com quem eu apenas me contentei em ficar.
Ele estendeu a mão, e eu a segurei.
— Não quero que você fique com raiva de mim.
— Não estou. É bom saber que você não está com raiva de mim. Apesar de ele ter morrido, eu ainda o amo.
Aspen arregalou os olhos.
— Quem morreu?
— Maxon — mal consegui falar, pronta para começar a chorar novamente.
Houve uma pausa.
— Maxon não morreu.
— O quê? Mas o guarda disse que ele não está aqui e…
— Claro que ele não está aqui. Ele é o rei. Está em recuperação em seu quarto.
Me joguei sobre Aspen para abraçá-lo. Ele gemeu sob o peso do meu corpo, mas eu estava feliz demais para tomar cuidado. Isso até eu perceber que não eram apenas boas notícias.
Recuei devagar.
— O rei morreu?
Aspen confirmou com a cabeça.
— A rainha também.
— Não! — estremeci, com os olhos novamente marejando. Ela disse que eu podia chamá-la de mãe. O que Maxon faria sem ela?
— Na verdade, se não fossem os rebeldes do norte, talvez nem Maxon tivesse sobrevivido. Eles fizeram muita diferença.
— Fizeram?
A admiração e a gratidão que ele sentia eram evidentes.
— Os rebeldes deveriam ter treinado os guardas. Eles lutam de um jeito diferente. Sabiam o que fazer. Reconheci August e Georgia no Grande Salão. Eles mantinham reforços do lado de fora do palácio. Assim que notaram algo de errado… bem, eles já sabiam como entrar rapidamente no palácio. Não sei onde arranjaram armas, mas estaríamos todos mortos sem eles.
Eu mal conseguia processar tudo aquilo. Ainda juntava as peças quando a porta se abriu, interrompendo os murmúrios na ala. Uma garota preocupada inspecionou o lugar. Apesar da roupa rasgada e do cabelo caído no rosto, reconheci-a no ato.
Antes que pudesse chamá-la, Aspen sentou em seu leito e gritou:
— Lucy!
Eu sabia que aquele movimento lhe causara dor, mas não vi qualquer traço de sofrimento em seu rosto.
— Aspen! — ela exclamou, e veio correndo em nossa direção, pulando sobre alguns pacientes quando necessário.
Lucy atirou-se nos braços dele e cobriu seu rosto de beijos. Embora ele tenha gemido com meu abraço, era óbvio que naquele momento Aspen não sentia nada além da mais pura felicidade.
— Onde você estava? — ele quis saber.
— No quarto andar. Só agora eles chegaram nos quartos de lá. Vim o mais rápido que pude. O que aconteceu?
Quase sempre inconsolável após ataques rebeldes, Lucy parecia bastante focada agora, com toda a sua atenção voltada para Aspen.
— Eu estou bem. E você? Precisa de um médico? — Aspen perguntou, já olhando ao redor para pedir ajuda.
— Não, não tive nem um arranhão — ela assegurou. — Só estava preocupada com você.
Aspen e Lucy trocaram um olhar de total devoção.
— Agora que você está aqui — ele falou — está tudo bem.
Ela acariciou seu rosto com cuidado para não estragar os curativos. Ele passou a mão por trás de seu pescoço, puxou-a delicadamente e a beijou com paixão.
Ninguém precisava mais de um cavaleiro do que Lucy. E ninguém a protegeria melhor do que Aspen. Os dois estavam tão ocupados um com o outro que nem repararam quando saí. Fui em direção à única pessoa que realmente queria ver.

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