segunda-feira, 11 de agosto de 2014

30° Capitulo - A Escolha

O Grande Salão estava abarrotado. Pela primeira vez, o rei e a rainha não eram o centro das atenções, e sim Maxon. Sobre uma plataforma levemente elevada, Maxon, Kriss e eu estávamos sentados a uma mesa decorada. Nossas posições eram enganosas. Eu estava à direita de Maxon. Sempre pensara que estar à direita de alguém era uma coisa boa, uma posição de honra. Mas, até então, ele tinha passado o tempo todo conversando com Kriss. Como se eu já não soubesse o que viria…
Tentei parecer feliz enquanto contemplava o salão. Estava lotado. Gavril, claro, narrava o evento diante de uma câmera.
Ashley, sorrindo, acenava para mim; ao seu lado, Anna deu uma piscadinha. Acenei de volta com a cabeça, ainda nervosa demais para falar. Ao fundo, em roupas limpas para preservar a aparência, August, Georgia e outros rebeldes nortistas ocupavam uma mesa inteira. Claro que Maxon gostaria que eles conhecessem sua futura esposa. Mal sabia ele que Kriss era parte do grupo.
Os rebeldes inspecionavam o salão, tensos, como se temessem que um soldado os reconhecesse e atacasse. Os guardas não pareciam prestar muita atenção, porém. De fato, aquela foi a primeira vez que os vi tão desconcentrados, com os olhos passeando pelo lugar. Cheguei até a notar que um ou dois não tinham feito a barba e pareciam meio toscos. Mas o evento era grande. Talvez fosse por causa da correria.
Então olhei fixamente para a rainha Amberly, que conversava com sua irmã, Adele, e sua penca de filhos. A rainha parecia radiante. Esperava por aquele dia havia muito tempo. Ela amaria Kriss como a uma filha. Por um instante, senti inveja.
Voltei a procurar pelas Selecionadas. Dessa vez, vi Celeste. Dava para perceber a pergunta em seu rosto: “Por que a preocupação?”. Fiz um movimento com a cabeça, quase imperceptível, para que ela soubesse que eu tinha perdido. Ela abriu um sorriso discreto e disse, apenas mexendo os lábios, que tudo ficaria bem. Fiz que sim com a cabeça, tentando acreditar nela. Ela se virou para rir de algo que alguém dissera. Finalmente, olhei para a minha direita, prestando atenção no rosto do soldado mais próximo de nossa mesa.
Era Aspen, porém estava distraído. Ele olhava ao redor como os outros tantos homens de uniforme ali presentes, mas parecia pensar em alguma coisa. Era como se tentasse resolver um quebra-cabeça. Desejei que olhasse para mim, que talvez tentasse explicar sem palavras o que o afligia, mas não olhou.
— Tentando marcar um encontro para mais tarde? — Maxon perguntou, me fazendo olhar imediatamente em sua direção.
— Não, claro que não.
— Não importa. A família de Kriss virá aqui esta tarde para uma pequena comemoração, e a sua virá buscá-la. Não é bom que a última perdedora fique sozinha. Pode fazer algum drama.
Ele estava sendo tão frio, tão distante. Nem parecia Maxon.
— Você pode ficar com aquela casa se quiser. Está paga. Mas quero minhas cartas de volta.
— Eu li todas elas — sussurrei. — Adorei.
Ele bufou, como se fosse uma piada.
— Não sei onde estava com a cabeça.
— Por favor, não faça isso. Por favor. Eu amo você.
Comecei a fazer cara de choro.
— Não ouse — Maxon ordenou, com os dentes cerrados. — Sorria sem parar até o último segundo.
Pisquei para segurar as lágrimas e abri um sorriso frágil.
— Serve. Fique assim até vocês duas saírem do salão, entendido?
Fiz que sim com a cabeça. Ele me olhou nos olhos e disse:
— Ficarei feliz com a sua partida.
Depois de praticamente cuspir essas palavras, ele voltou a sorrir e retomou a conversa com Kriss. Fiquei olhando para baixo por um tempo enquanto desacelerava a respiração e tentava melhorar minha cara.
Quando ergui a cabeça novamente, não ousei olhar diretamente para ninguém. Achei que não conseguiria honrar o último desejo de Maxon se o fizesse. Então me concentrei nas paredes do salão. Foi por isso que notei quando a maioria dos guardas se afastou seguindo algum sinal que não vi. Em seguida, eles tiraram lenços vermelhos do bolso e os amarram na testa.
Observei confusa quando um desses guardas de lenço vermelho chegou por trás de Celeste e lhe deu um tiro bem atrás da cabeça.
A gritaria e o barulho dos tiros explodiram ao mesmo tempo. Gritos excruciantes de dor e desespero tomaram conta do salão, somados ao alarido das cadeiras sendo empurradas com violência, dos corpos batendo contra as paredes e da multidão de homens de terno e mulheres de salto em fuga, tentando sair dali o mais rápido possível. Os falsos guardas berravam a cada tiro que disparavam, o que só deixava tudo ainda mais aterrador. Paralisada, presenciei mais mortes naqueles segundos do que em minha vida inteira. Procurei pelo rei e pela rainha, mas eles já tinham saído. Então fui tomada pelo medo; não sabia se tinham conseguido escapar ou se haviam sido capturados. Procurei por Adele, por seus filhos. Não conseguia vê-los em lugar nenhum, e isso foi ainda pior do que perder o rei e a rainha de vista.
Ao meu lado, Maxon tentava acalmar Kriss.
— Abaixe! — ele disse. — Ficaremos bem.
Olhei para a direita em busca de Aspen e fiquei atônita. Ele estava agachado, mirando e atirando conscientemente na direção daquela multidão em polvorosa. Devia estar muito seguro de seus alvos para agir assim.
Pelo canto do olho, vi um lampejo vermelho. De repente, um guarda rebelde surgiu diante de nós. Ao pensar guarda rebelde tudo fez sentido. Anne havia contado que já acontecera antes de os rebeldes roubarem uniformes dos guardas e se infiltrarem no palácio. Mas como?
Quando ouvi outro grito agudo de Kriss, tomei consciência de que os soldados enviados para nossas casas não tinham abandonado seus postos de forma alguma. Estavam mortos e enterrados, enquanto seus uniformes roubados estavam bem diante de nossos olhos.
Não que a informação tivesse me ajudado de alguma forma na hora.
Sabia que precisava correr, que Maxon e Kriss também precisavam correr se quisessem sobreviver. Mas congelei quando aquela figura sinistra apontou seu revólver diretamente para o príncipe. Maxon e eu trocamos um olhar. Desejei tempo para dizer alguma coisa, mas resolvi desviar o olhar e encarar o homem.
Uma expressão de encantamento se formou no rosto dele. Era como se tivesse percebido que me matar seria muito mais prazeroso para ele e doloroso para Maxon, então deslocou a arma um pouco para a esquerda e mirou em mim.
Não consegui nem pensar em gritar. Era incapaz de me mover, mas vi o vulto de Maxon quando ele se jogou na minha direção.
Caí no chão, mas não na direção que esperava. Maxon não tinha me acertado; passara diante de mim. Quando bati no chão, levantei os olhos e vi Aspen. Ele tinha corrido até a mesa e se lançado contra minha cadeira pelo outro lado, caindo sobre mim.
— Eu o peguei! — alguém gritou. — Encontrem o rei!
Escutei vários urros de comemoração depois daquele anúncio. E também gritos. Tantos. Quando saí do meu estupor, ouvi o estardalhaço novamente. Outras cadeiras e corpos iam ao chão. Os soldados berravam ordens. Tiros eram disparados; estalos doentios que pareciam romper meus tímpanos. Um verdadeiro caos.
— Você se machucou? — Aspen perguntou.
Acho que neguei com a cabeça.
— Não se mexa.
Observei quando ele tomou posição e mirou. Disparou diversas vezes, com os olhos focados e o corpo relaxado. Pelo ângulo dos tiros, aparentemente mais rebeldes tentavam se aproximar de nós. Graças a Aspen, falharam. Após uma rápida inspeção, ele se abaixou novamente.
— Vou tirá-la daqui antes que ela surte de vez.
Ele se arrastou sobre mim e agarrou Kriss, que cobria os ouvidos e chorava desesperadamente. Aspen ergueu seu rosto e bateu de leve, para fazê-la voltar a si. Chocada, ela fez o silêncio necessário para escutar suas ordens e segui-lo para fora do salão, protegendo a cabeça.
O barulho diminuía. As pessoas deviam estar saindo. Ou morrendo.
Então notei uma perna imóvel que despontava por debaixo da toalha de mesa. Não acreditei quando vi. Era Maxon!
Me esgueirei sob a mesa para encontrá-lo respirando com dificuldade; uma grande mancha vermelha se espalhava por sua camisa. A ferida de bala embaixo de seu ombro esquerdo parecia muito grave.
— Ah, Maxon — lamentei.
Sem saber ao certo o que fazer, arranquei um pedaço da saia do meu vestido e fiz pressão no ferimento. Ele se contraiu um pouco com a dor.
— Perdão — eu disse.
Ele colocou a mão sobre a minha.
— Não, eu que peço perdão — falou. — Estava prestes a arruinar a vida de nós dois.
— Agora não é hora de falar. Concentre-se, o.k.?
— Olhe para mim, America.
Pisquei algumas vezes e olhei para ele. Mesmo com a dor, ele abriu um sorriso.
— Pode partir meu coração. Mil vezes, se desejar. Sempre foi seu para machucar como quiser.
— Shhh — implorei.
— Amarei você até meu último suspiro. Cada batida do meu coração é sua. Não quero morrer sem que você saiba disso.
— Não, por favor — eu disse, com o choro entalado na garganta.
Ele soltou a mão da minha e tocou meu cabelo. A pressão que ele fazia era pequena, mas suficiente para que eu soubesse o que queria. Me inclinei para beijá-lo. Como todos os nossos beijos, foi repleto de incerteza, repleto de esperança.
— Não desista, Maxon. Eu amo você. Por favor, não desista.
Ele resfolegava.
Nesse momento, Aspen se arrastou para debaixo da mesa. Gritei de medo antes de perceber quem era.
— Kriss está em um abrigo, Alteza — Aspen disse, em tom puramente formal. — Sua vez. Pode se levantar?
O príncipe balançou a cabeça.
— Perda de tempo. Leve-a.
— Mas, Alteza…
— É uma ordem — ele disse, com toda a força que pôde juntar.
Maxon e Aspen se encararam por um longo instante.
— Sim, senhor.
— Não! Eu não vou! — gritei.
— Você vai — Maxon disse, cansado.
— Vamos, Meri. Precisamos correr.
— Eu não saio daqui!
Foi então que Maxon, como se subitamente recuperado, agarrou o casaco do uniforme de Aspen com força.
— Ela tem que sobreviver. Você entendeu? Não importa o que aconteça, ela tem que sobreviver.
Aspen assentiu e me segurou pelo braço com mais força do que eu podia imaginar.
— Não! — gritei. — Maxon, por favor!
— Seja feliz — ele sussurrou ao mesmo tempo em que apertava minha mão uma última vez.
Aspen me arrastou dali. Eu continuava gritando.
Ao chegarmos à porta, Aspen me colocou contra a parede.
— Fique quieta! Eles vão ouvir. Quanto mais rápido eu puser você em um abrigo, mais rápido posso voltar para salvá-lo. Você precisa fazer tudo o que eu disser, tudo bem?
Fiz que sim com a cabeça.
— Ótimo. Mantenha-se abaixada e quieta — ele disse. Com uma mão, sacou a arma; com a outra, me arrastou para fora.
Olhamos para os lados e vimos alguém fugir de nós na outra ponta do corredor. Assim que a pessoa sumiu, continuamos.
Ao dobrarmos o corredor, tropeçamos em um soldado caído. Aspen checou seu pulso e balançou a cabeça. Depois, levou a mão ao coldre do soldado e me entregou sua arma.
— O que eu faço com isso? — sussurrei, aterrorizada.
— Atira. Mas, antes, verifique se é amigo ou inimigo. Está tudo um caos.
Seguiram-se alguns minutos tensos em que nos escondemos pelos cantos e procuramos por abrigos desocupados e destrancados. Aparentemente, a maior parte do quebra-quebra estava agora nos andares de cima ou do lado de fora, pois os tiros e os gritos eram abafados pelas paredes. Ainda assim, ao menor ruído fazíamos uma pausa antes de prosseguir.
Aspen espiou o corredor seguinte.
— Não tem saída, então fique atenta.
Concordei com a cabeça. Caminhamos rapidamente até o fim do curto corredor e a primeira coisa que notei foi a luz forte do sol entrando pela janela. Por acaso o céu não sabia que o mundo estava desabando? Como o sol podia brilhar?
— Por favor, por favor, por favor — Aspen murmurava à procura da trava. Felizmente, a porta se abriu.
— Isso! — Ele suspirou aliviado ao puxar a porta, que bloqueava a visão de metade do corredor.
— Aspen, não quero fazer isso.
— Você precisa. Precisa ficar a salvo, por tanta gente. E… preciso que faça uma coisa por mim.
— O quê?
Ele hesitou.
— Se algo me acontecer, preciso que diga a…
Por cima de seu ombro, avistei um ponto vermelho na outra ponta do corredor se aproximando. Levantei a arma, mirei atrás de Aspen e disparei contra ele. Menos de um segundo depois, Aspen me empurrou para dentro do abrigo e bateu a porta, me deixando sozinha na escuridão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor evite xingamentos