segunda-feira, 11 de agosto de 2014

32° Capitulo - A Escolha

Ao deixar a ala hospitalar, vi a situação do palácio pela primeira vez. Era difícil processar tamanha destruição. Havia cacos de vidro espalhados por todo o chão, brilhando com a luz do sol. Pinturas arruinadas, buracos de bala nas paredes e horríveis manchas vermelhas no carpete só confirmaram o quanto estivemos perto da morte.
Segui pelas escadas, evitando contato visual com qualquer um. Ao passar do segundo andar para o terceiro, encontrei um brinco no chão. Não pude deixar de imaginar se a dona ainda estaria viva.
Continuei rumo ao quarto de Maxon e comecei a ver cada vez mais guardas pelo caminho. Era inevitável. Se fosse preciso, eu ia gritar para ele, avisando que estava lá. Talvez ele mandasse os guardas me deixarem passar… como na noite em que nos conhecemos.
A porta do quarto de Maxon estava aberta. Pessoas entravam e saíam, levando papéis ou retirando bandejas. Do lado de fora, seis guardas alinhavam-se à parede que dava para a porta, e já me preparei para ser barrada. Contudo, quando me aproximei, fui reconhecida por um dos soldados. Ele me olhou de canto, como se quisesse confirmar que eu era quem ele pensava. O guarda ao lado dele também me viu e, um por um, todos se curvaram em profunda reverência.
Um dos guardas estendeu o braço na direção da entrada e me informou:
— Ele está à sua espera, senhorita.
Tentei me portar à altura da honra com que eles me tratavam. Ainda que os arranhões no braço e meu vestido cortado não ajudassem, endireitei a postura ao passar por eles.
— Obrigada — eu disse, inclinando levemente a cabeça.
Uma criada entrou correndo antes de mim. Maxon estava em sua cama, com o lado direito do peito forrado com gazes por baixo de uma camiseta simples de algodão. Seu braço esquerdo estava em uma tipoia, e a mão direita era usada para segurar o documento que um conselheiro lhe explicava.
Ele parecia tão normal, vestido daquele jeito e com o cabelo bagunçado. Mas, ao mesmo tempo, parecia tão mais nobre do que antes. Será que estava mais imponente? Seu rosto estava mais sério?
Bem, ele era, muito claramente, o rei.
— Majestade — eu disse com a voz fraca, fazendo uma reverência. Ao me levantar, vi um sorriso calmo em seu rosto.
— Deixe o papel aqui, Stavros. Por favor, gostaria que todos se retirassem. Preciso falar com a senhorita.
Todos que estavam ali se despediram com uma reverência e seguiram rumo ao corredor. Stavros pousou discretamente os papéis sobre a mesa de cabeceira de Maxon e, ao passar por mim, deu uma piscadinha. Esperei a porta fechar antes de chegar mais perto.
Queria correr até ele, cair em seus braços e ficar ali para sempre. Mas avancei devagar, preocupada com a hipótese de ele ter se arrependido de nossa última conversa.
— Sinto muito por seus pais.
— Ainda não parece verdade — ele disse, indicando com a mão um lugar na cama para eu me sentar. — Ainda acho que meu pai está no escritório e minha mãe, no Salão das Mulheres, e que, a qualquer momento, entrarão por aquela porta com alguma tarefa para mim.
— Sei exatamente o que você quer dizer.
Ele abriu um sorriso compreensivo.
— Sei que sabe.
Em seguida, colocou sua mão sobre a minha. Tomei o gesto como um bom sinal e apertei a mão dele.
— Ela tentou salvá-lo — Maxon explicou. — Um soldado disse que um rebelde tinha meu pai na mira, mas ela se jogou na frente. Acertaram meu pai logo em seguida, porém.
Depois, balançando a cabeça, concluiu:
— Sempre pensando nos outros. Até o último momento.
— Não deveria estar surpreso. Você é muito parecido com ela.
A expressão de seu rosto mudou.
— Nunca serei tão bom quanto ela. Vou sentir muito a falta dela.
Acariciei sua mão. A rainha não era minha mãe, mas também sentiria sua falta.
— Pelo menos você está salva — ele disse, sem me olhar. — Pelo menos isso.
Houve um longuíssimo silêncio. Eu não sabia o que dizer. Relembrar suas últimas palavras? Perguntar sobre Kriss? Quem pensaria nesse tipo de coisa àquela altura?
— Há algo que quero mostrar — ele anunciou de repente. — Ainda é rudimentar, mas acho que vai agradá-la mesmo assim. Abra esta gaveta — pediu. — Deve estar logo em cima.
Abri a gaveta em sua mesa de cabeceira e dei com uma pilha de papeis datilografados. Olhei para Maxon confusa, mas ele apenas apontou o documento com o queixo.
Comecei a ler, tentando compreender cada palavra. Cheguei ao fim do primeiro parágrafo e depois li novamente. Devia estar enganada.
— Você… você vai dissolver as castas? — perguntei, levantando a cabeça para olhar para ele.
— É o plano — ele respondeu, sorrindo. — Não quero que você fique animada demais. Vai levar muito tempo, mas acho que vai dar certo. Veja — ele disse ao folhear as várias páginas do arquivo e apontar para um parágrafo em especial — quero começar por baixo. Meu plano é eliminar primeiro o rótulo dos Oito. Há muitas construções a fazer, e penso que, com um pouco de trabalho, eles podem se integrar aos Sete. Depois, complica. Mas deve haver um jeito de acabar com os estigmas que acompanham os números, e essa é minha meta.
Fiquei atônita. Conhecia apenas um mundo em que vestia minha casta como uma roupa. E lá estava eu, segurando um documento que dizia que as linhas invisíveis que separavam as pessoas poderiam, algum dia, ser apagadas.
A mão de Maxon tocou a minha.
— Quero que você saiba que é a responsável por isso. Tenho trabalhado nesse projeto desde o dia em que você me chamou no corredor e contou que já tinha passado fome. Esse foi um dos motivos que me deixaram tão irritado com a sua apresentação. Eu tinha um plano bem mais discreto para alcançar as mesmas metas. De qualquer maneira, de todas as coisas que desejava fazer pelo meu país, nunca teria pensado nessa se não tivesse conhecido você.
Recuperei o fôlego e voltei novamente àquelas páginas. Pensei nos anos da minha vida, tão breves e rápidos. Nunca tinha esperado muito mais do que cantar em festas e, talvez, casar algum dia. Pensei no que aquilo significaria para a vida de todo o povo de Illéa, e fiquei sem saber o que fazer. Estava me sentindo ao mesmo tempo emocionada e orgulhosa.
— Há algo mais — Maxon disse, com a voz um pouco vacilante; eu ainda tentava digerir aquelas palavras na minha frente.
Foi então que Maxon, repentinamente, escorregou por cima da pilha de papeis uma caixinha aberta. Dentro havia um anel, que brilhava sob a luz que entrava pelas janelas.
— Tenho dormido com essa droga debaixo do meu travesseiro — ele disse em tom brincalhão.
Olhei para ele, mas não falei nada; estava impressionada demais para isso. Tinha certeza de que ele podia ler as perguntas em meus olhos. Mesmo assim, resolveu fazer a sua:
— Gostou?
A circunferência do anel tinha a forma de ramos dourados que, na parte superior, portavam duas pedras – uma verde, outra roxa. Eu sabia que a pedra associada ao meu aniversário era roxa, então a verde devia ser a dele. Nós dois éramos aqueles pontos de luz, inseparáveis.
Quis falar. Abri a boca diversas vezes para tentar. Tudo o que consegui fazer foi sorrir, piscar para conter as lágrimas e dizer que sim com a cabeça.
Maxon limpou a garganta.
— Tentei fazer isso de maneira grandiosa duas vezes, e falhei miseravelmente. Na minha atual situação, nem posso ajoelhar. Espero que você não se importe por eu falar assim tão diretamente.
Aprovei com a cabeça, incapaz de pronunciar uma só palavra.
Ele engoliu em seco e mexeu o ombro que não estava ferido.
— Eu amo você — ele disse simplesmente. — Deveria ter dito isso há muito tempo. Talvez tivesse evitado tantos erros idiotas. Por outro lado — acrescentou, esboçando um sorriso — às vezes penso que foram todos esses obstáculos que me fizeram amá-la tanto assim.
As lágrimas se acumulavam nos cantos dos meus olhos e pendiam dos meus cílios.
— O que eu disse era verdade. Meu coração sempre foi seu para machucar como quiser. Como você já sabe, prefiro morrer a vê-la sofrer. Quando fui baleado, quando caí, certo de que aquele era o fim da minha vida, só conseguia pensar em você.
Maxon precisou parar. Engoliu em seco de novo, e vi que ele estava tão perto de chorar quanto eu. Depois de um tempo, continuou:
— Naqueles segundos, lamentei tudo o que tinha perdido. Nunca veria você caminhar a meu lado na igreja; nunca descobriria seu rosto em nossos filhos; nunca veria mechas grisalhas em seus cabelos. Só que, ao mesmo tempo, não me incomodava. Se a minha morte — ele deu de ombros novamente — significava a sua vida, como poderia ser algo ruim?
Ao ouvir isso, perdi o controle, e as lágrimas desabaram copiosamente. Como pude pensar que sabia o que era me sentir amada até aquele instante? Nada jamais chegara perto daquele sentimento que transbordava, que enchia cada centímetro do meu corpo com um calor absoluto.
— America — Maxon disse com doçura, me obrigando a secar os olhos e encará-lo — sei que você vê um rei aqui, mas me permita ser claro: isto não é uma ordem. É um pedido, uma súplica. Eu imploro: faça de mim o homem mais feliz do mundo. Por favor, me dê a honra de ser minha esposa.
Eu era incapaz de exprimir o quanto desejava aquilo. Mas, quando minha voz falhou, meu corpo agiu. Deitei nos braços de Maxon e o abracei com força, certa de que nada jamais nos separaria. Quando ele me beijou, senti minha vida se encaixar no lugar. Tinha encontrado tudo o que sempre quis – coisas que sequer suspeitava querer – ali, nos braços dele. E, se ele estivesse por perto para me guiar e me apoiar, eu seria capaz de conquistar o mundo.
Nosso beijo se desfez rápido demais. Maxon me afastou e olhou no fundo dos meus olhos. Via em seu rosto. Eu estava em casa. E finalmente encontrei minha voz:
— Sim.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Por favor evite xingamentos