O FUNDO DA NOSSA SESSÃO DE FOTOS ERA de tecido azul-claro. Minhas criadas costuraram um vestido lindo para mim, com um pouco de caimento nos ombros para cobrir a cicatriz. Por enquanto, meus dias de vestidos sem manga eram passado.
Ainda que eu estivesse muito bem-vestida, Nicoletta me ofuscava completamente, e até Georgia estava estonteante em seu traje.
— Senhorita America — chamou a moça ao lado da câmera. — Estamos lembrados da princesa Nicoletta, que visitou o palácio com outras damas da família real italiana, mas quem é sua outra convidada?
— Esta é Georgia, uma amiga muito querida — respondi com ar doce. — Uma das lições que aprendi na Seleção é que avançar significa conciliar sua vida antes do palácio com o futuro que aguarda adiante. Espero dar hoje um novo passo para a união desses mundos.
Algumas pessoas ao redor pareceram satisfeitas, enquanto as câmeras continuavam a captar imagens de nós três.
— Ótimo, senhoritas — disse o fotógrafo. — Podem aproveitar a festa. Tiraremos algumas fotos durante o evento mais tarde.
— Vai ser divertido — respondi, chamando minhas convidadas para virem comigo.
Maxon havia deixado claro que, naquele dia em particular, eu realmente precisaria estar atenta. Eu tinha esperança de conseguir ser o exemplo de liderança que uma garota da Elite devia ser, mas para mim era difícil tentar ser tão perfeita.
— Menos, America, ou vai começar a soltar arco-íris pelos olhos.
Apesar de nossa amizade ser recente, eu adorava que Georgia conseguia perceber exatamente o que eu estava sentindo.
Dei uma risada, e Nicoletta entrou na conversa:
— Ela tem razão. Você está mesmo parecendo um pouco alegre demais.
Respirei fundo e sorri.
— Desculpem. É que hoje é um dia decisivo.
Georgia pôs um braço em volta do meu ombro no caminho para o salão.
— Depois de tudo que Maxon e você passaram juntos, duvido muito que ele mandaria você para casa por causa de uma festinha.
— Não é bem isso que eu quis dizer, mas conversaremos mais tarde. — Voltei a olhar para elas. — Por ora, seria ótimo se conseguíssemos nos misturar ao pessoal. Assim que as coisas se acalmarem, precisaremos ter uma conversa séria.
Nicoletta olhou para Georgia e depois para mim.
— Para que tipo de amiga você está me apresentando?
— Uma amiga valiosa. Juro. Explico mais tarde.
No que cabia a elas, Georgia e Nicoletta me fizeram brilhar. Como era uma princesa, Nicoletta talvez fosse a melhor convidada no salão, e vi nos olhos de Kriss o desejo de ter pensado nisso antes. Claro, ela não tinha uma linha direta com a família real como eu. A própria Nicoletta tinha me dado seu número de telefone para que eu entrasse em contato sempre que precisasse.
Ninguém sabia quem era Georgia, mas acharam espetacular minha explicação sobre conciliar passado e futuro – ideia de Maxon.
As escolhas de Elise eram previsíveis. Poderosas, mas previsíveis. Dois primos muito distantes da Nova Ásia, em seus trajes típicos, representavam seus laços com os líderes da nação. Kriss escolhera um professor da universidade onde o pai trabalhava e sua mãe. Eu temia o momento em que minha família descobrisse o fato. Quando minha mãe ou May se dessem conta que podiam ter estado no palácio, com certeza me mandariam uma carta muito decepcionada.
Celeste, fazendo valer sua palavra, trouxe duas celebridades indiscutíveis. Tessa Tamble – que supostamente tinha feito um show na última festa de aniversário de Celeste – marcava presença com um vestido curtíssimo, mas glamoroso. A outra convidada era Kirstie Summer, outra cantora, conhecida por seus shows espalhafatosos; sua roupa estava mais para uma fantasia. Meu palpite era que se tratava de um traje usado em suas performances no palco, ou então uma experiência com couro pintado à mão. De qualquer jeito, fiquei surpresa pelo simples fato de ela ter passado pela porta, tanto pela maneira como estava vestida como pelo cheiro de álcool que dava para sentir a um metro de distância.
— Nicoletta — saudou a rainha Amberly ao se aproximar de nós. — Que prazer vê-la novamente.
Elas trocaram beijinhos antes de Nicoletta responder:
— O prazer é todo meu. Fiquei encantada quando recebi o convite de America. Nossa última visita foi tão agradável.
— Fico feliz em saber — comentou a rainha. — Hoje será um dia mais calmo.
— Isso já não sei — replicou Nicoletta, indicando Kirstie e Tessa, que conversavam quase aos gritos. — Aposto que aquelas duas vão render ao menos uma história para contar.
Todas nós rimos, mas reparei certa ansiedade nos olhos da rainha.
— Suponho que devo ir até elas me apresentar.
— Sempre um exemplo de coragem — brinquei.
A rainha sorriu.
— Por favor, fiquem à vontade e divirtam-se. Espero que façam novos contatos, mas, sinceramente, aproveitem a companhia de suas amigas.
Concordei com a cabeça, e a rainha Amberly se retirou para cumprimentar as convidadas de Celeste. Tessa se saiu bem, mas Kirstie parecia mais preocupada em cheirar todos os canapés em uma mesa próxima. Fiz uma nota mental de não comer nada que estivesse perto de onde ela tinha passado.
Inspecionei o salão. Todos pareciam ocupados, comendo e conversando. Decidi, então, que aquele era um bom momento.
— Venham comigo — eu disse antes de seguir em direção a uma mesinha no fundo.
Assim que nos sentamos, uma criada veio nos servir chá. Quando ficamos a sós, comecei a falar, torcendo para que as coisas dessem certo.
— Georgia… em primeiro lugar, gostaria de pedir desculpas por Micah.
Ela nem me esperou terminar e começou a negar com a cabeça.
— Ele sempre quis ser herói. Todos sabemos que essas coisas podem… acabar desse jeito. Acho que Micah estava orgulhoso de si mesmo.
— Ainda assim, sinto muito. De verdade. Há algo que possamos fazer?
— Não. Já cuidamos de tudo. Confie em mim. Ele não teria escolhido um final diferente — ela insistiu.
Pensei naquele garoto frágil no canto da sala, na noite em que saímos do palácio. Ele tinha entrado na briga para nos defender com muito gosto. A coragem podia mesmo se esconder em lugares incríveis.
Voltei ao assunto principal.
— Bem, Georgia, como você pode ver, Nicoletta é a princesa da Itália. Ela nos visitou algumas semanas atrás — eu disse, olhando para as duas. — Na ocasião, deixou claro que a Itália seria aliada de Illéa se certas coisas mudassem.
— America! — Nicoletta censurou.
Ergui a mão para pedir calma.
— Confie em mim. Georgia é uma grande amiga, mas não a conheci em Carolina. É uma das líderes dos rebeldes do norte.
Nicoletta endireitou-se na cadeira, ao passo que Georgia confirmou a informação timidamente com um aceno.
— Recentemente, ela nos ajudou muito e perdeu uma pessoa próxima na ocasião — expliquei.
Nicoletta tomou a mão de Georgia e lamentou:
— Sinto muito.
Em seguida, a princesa se voltou para mim, curiosa para entender onde eu queria chegar.
— Esta conversa deve ficar entre nós, mas julguei que poderíamos tratar de alguns assuntos que seriam úteis a todas aqui — esclareci.
— Vocês querem derrubar o rei? — perguntou Nicoletta.
— Não — Georgia garantiu. — Queremos nos alinhar ao reinado de Maxon e trabalhar no sentido de eliminar as castas. Talvez ainda sob seu governo. Ele parece sentir mais compaixão por seu povo.
— Ele sente — confirmei.
— Então por que atacam o palácio? E toda aquela gente? — Nicoletta acusou sem rodeios.
Discordei, sacudindo a cabeça.
— Eles não são como os rebeldes do sul. Não matam. Às vezes fazem justiça quando julgam necessário…
— Soltamos mães solteiras da cadeia, coisas assim — interveio Georgia.
— Eles já invadiram o palácio, mas nunca com o objetivo de matar — acrescentei.
Nicoletta deu um suspiro e emendou:
— Não me incomodo muito com isso. Só não compreendo bem por que você queria que a gente se conhecesse.
— Nem eu — Georgia confessou.
Respirei fundo.
— Os sulistas estão cada vez mais agressivos. Nos últimos meses, seus ataques aumentaram, não apenas contra o palácio, mas contra a população do país inteiro. Eles são cruéis. Assim como Maxon, receio que estejam prestes a armar uma ofensiva de que não conseguiremos nos recuperar. O plano de matar de acordo com as castas da Elite é muito drástico, e tememos que a situação piore ainda mais.
— Já piorou — Georgia disse, mais para mim do que para Nicoletta. — Também fiquei feliz com o convite porque poderia trazer mais notícias. Os rebeldes do sul já passaram a atacar a casta Três.
Levei a mão à boca, chocada com o progresso tão rápido.
— Tem certeza?
— Absoluta — confirmou Georgia. — Os números mudaram ontem.
Após um instante de aflição silenciosa, Nicoletta perguntou:
— Por que fazem isso?
Georgia voltou-se para ela.
— Para forçar a Elite a abandonar o palácio por medo. Para assustar a família real como um todo. Aparentemente, eles acham que, se conseguirem impedir a Seleção, vão isolar Maxon e só precisarão se livrar dele para tomar o poder.
— Essa é a verdadeira preocupação. Se eles assumirem o controle, Maxon não poderá oferecer nada a você como rei. Os sulistas apenas oprimiriam ainda mais o povo — expliquei a Nicoletta.
— E o que você propõe, então? — quis saber Nicoletta.
Tentei adentrar com cuidado o território criminoso que se abria diante de mim.
— Georgia e os outros nortistas têm mais chances de parar os rebeldes do sul do que qualquer um aqui do palácio. Eles conseguem se informar melhor sobre seus passos e já os combateram algumas vezes… Porém, não têm treinamento nem armas.
Ambas aguardaram. Ainda não entendiam aonde eu queria chegar.
Baixei a voz e prossegui:
— Maxon não pode desviar dinheiro do palácio para ajudá-los a comprar armas.
— Entendo — Nicoletta disse, enfim.
— Firmamos a condição inegociável de que essas armas seriam usadas apenas para deter os sulistas. Nunca contra um soldado ou membro do governo — complementei, olhando para Georgia.
— Isso não seria um problema — ela garantiu.
Pude ver em seus olhos que ela estava sendo sincera. Tinha certeza disso. Se quisesse, ela poderia ter me raptado quando me encontrou na floresta, ou não ter nos socorrido no beco naquela noite. Seu objetivo nunca tinha sido nos matar.
Nicoletta batucava os dedos nos lábios, pensando. Eu sabia que estávamos pedindo muito, mas não conseguia pensar em outra saída.
— Se alguém descobrisse… — ela comentou.
— Eu sei. Já pensei nisso.
De fato, se algum dia o rei soubesse, minha punição não seria apenas algumas chibatadas.
— Se pudéssemos garantir que não deixaríamos rastros… — ponderou Nicoletta, ainda batucando os dedos na boca.
— Teria que ser dinheiro vivo, que é mais difícil de rastrear — Georgia comentou.
Nicoletta concordou com a cabeça e soltou a mão sobre a mesa.
— Eu disse que, se pudesse fazer qualquer coisa por você, faria. Sempre é bom ter aliados poderosos. E, se seu país for dominado, receio que ganharemos apenas mais um inimigo.
Dei um sorriso triste.
Então ela se virou para Georgia e continuou:
— Posso arranjar o dinheiro hoje, mas vocês teriam que converter.
— Temos nossos meios — Georgia disse, radiante.
Olhei para trás e vi um fotógrafo se aproximar. Levantei minha xícara e sussurrei:
— Câmera.
— E sempre pensei que America era mesmo uma dama. Às vezes acho que deixamos de ver essas características nas pessoas pois só enxergamos os Cinco como artistas e os Seis como faxineiros. Mas vejam a rainha Amberly. Ela é muito mais do que uma Quatro — Georgia disse com simpatia, ao que Nicoletta e eu concordamos.
— É uma mulher incrível. É um privilégio conviver com ela — comentei.
— Quem sabe você não continua convivendo com ela! — Nicoletta disse, com uma piscadela.
— Sorriam, senhoritas! — pediu o fotógrafo, e todas abrimos nossos melhores sorrisos, na esperança de disfarçar aquele perigoso segredo.
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