sexta-feira, 1 de agosto de 2014

8° Capitulo - A Escolha

ASSISTI A UMA VERDADEIRA TRANSFORMAÇÃO NO PALÁCIO. Do dia para a noite, suntuosas árvores de Natal surgiram nos corredores do primeiro andar; guirlandas pendiam das escadarias; todos os arranjos de flores foram substituídos por ramos de azevinho ou visco. O estranho era que eu ainda podia sentir um pouco de verão se abrisse a janela. Fiquei pensando se o palácio conseguiria fabricar neve. Talvez, se eu pedisse, Maxon cuidaria disso.
Ou talvez não.
Passaram-se dias. Tentava não me irritar ao ver Maxon fazer exatamente o que eu tinha aconselhado. À medida que as coisas esfriavam entre nós, mais eu me arrependia do meu orgulho. E ficava me perguntando se aquilo teria acontecido de um jeito ou de outro. Será que eu estava destinada a falar a coisa errada, a fazer a escolha errada? Por mais que eu quisesse Maxon, nunca seria capaz de me controlar o suficiente para termos uma relação de verdade.
Toda essa história me deixava cansada. Era o mesmo problema que me rondava desde que Aspen chegara ao palácio. Eu sofria; dividida, confusa.
Passei a dar voltas pelo palácio durante as tardes. Com o jardim interditado, o Salão das Mulheres ficava sufocante demais. Foi numa dessas caminhadas que senti a mudança. Era como se um botão invisível tivesse sido acionado em todo mundo no palácio. Os soldados estavam mais rígidos, as criadas se moviam mais depressa. Até eu me senti estranha, como se já não fosse tão bem-vinda como antes. Antes de entender o que estava sentindo, vi o rei dobrar a esquina com um pequeno séquito atrás de si.
Tudo fez sentido. Sua ausência tinha deixado o palácio mais acolhedor. Com o seu retorno, estávamos mais uma vez sujeitos aos seus caprichos. Não era à toa que os rebeldes nortistas se entusiasmavam com Maxon.
Fiz uma reverência quando o rei se aproximou. Enquanto caminhava, ele ergueu a mão e os homens que o seguiam pararam, abrindo espaço para nossa conversa.
— Senhorita America. Vejo que ainda está aqui — comentou.
Seu sorriso amarelo demonstrava exatamente o contrário de suas palavras.
— Sim, Majestade.
— E o que fez na minha ausência?
— Fiquei em silêncio — respondi, com um sorriso.
— Boa garota. — Ele retomou a caminhada, mas então se lembrou de algo e voltou. — Fui informado de que, entre as garotas remanescentes, você é a única que ainda recebe dinheiro pela participação. Elise abriu mão voluntariamente de sua pensão assim que os pagamentos foram suspensos para quem era Dois ou Três.
Não fiquei surpresa. Elise era Quatro, mas sua família possuía uma rede de hotéis de luxo. Não precisavam de dinheiro como os comerciantes de Carolina.
— Acho que é hora de pôr um fim a isso — o rei anunciou, afastando minhas divagações.
Meu queixo caiu.
— A não ser, claro, que você esteja aqui pela pensão e não por amar meu filho — completou; seus olhos me desafiavam a contrariar sua decisão.
— O senhor tem razão — eu disse, com ódio do que eu mesma dizia. — É justo.
Pude notar a frustração do rei por não conseguir arranjar uma briga.
— Cuidarei disso imediatamente.
Ele foi embora e eu fiquei lá, parada, tentando não sentir pena de mim mesma. De fato, era justo. O que as pessoas iam pensar se soubessem que eu era a única a receber o pagamento? E, afinal, ele ia acabar cedo ou tarde. Respirei fundo e fui para o quarto. O mínimo que podia fazer era escrever para casa e avisar que o dinheiro não chegaria mais.
Abri a porta e, pela primeira vez, minhas criadas me ignoraram completamente. Anne, Mary e Lucy estavam num canto distante, reunidas em volta de um vestido em que pareciam trabalhar. E discutiam sobre o andamento da costura.
— Lucy, você disse que terminaria a bainha ontem à noite — Anne falou. — Saiu até mais cedo para isso.
— Eu sei, eu sei. Tive que fazer outra coisa. Posso terminar agora — ela disse, com olhos suplicantes.
Lucy já era um pouco sensível, e eu sabia que o jeito rígido de Anne às vezes a magoava.
— Pois é, você precisou fazer outras coisas várias vezes nos últimos dias — Anne comentou.
Mary estendeu as mãos.
— Acalmem-se. Deem o vestido para mim, antes que estraguem tudo.
— Sinto muito — Lucy se desculpou. — Termino agora se você deixar.
— O que há de errado com você? — Anne questionou. — Tem estado tão estranha.
Lucy levantou a cabeça, com olhos arregalados. Qualquer que fosse seu segredo, dava para ver que ela estava apavorada diante da perspectiva de revelá-lo.
Tossi de leve.
As três imediatamente se viraram para mim e fizeram uma reverência.
— Não sei o que está acontecendo — eu disse, me aproximando — mas duvido que as criadas da rainha discutam desse jeito. Além disso, estamos perdendo tempo aqui se há trabalho a ser feito.
Anne, ainda zangada, apontou o dedo para Lucy e começou:
— Mas ela…
Fiz um gesto sutil com a mão, e ela voltou a ficar em silêncio. Funcionou tão bem que até me surpreendi.
— Sem discussão. Lucy, por que você não vai terminar o trabalho no ateliê? Assim todas teremos tempo de pensar um pouco.
Contente, Lucy pegou o vestido e quase saiu correndo de tão agradecida que estava com a chance de escapar. Anne, de cara fechada, apenas a observou partir. Mary parecia preocupada, mas prontamente voltou ao trabalho sem dizer mais uma palavra.
Levei alguns minutos para perceber que o clima no meu quarto estava pesado demais para me concentrar. Peguei papel e caneta e resolvi voltar para o andar de baixo. Fiquei me perguntando se havia feito a coisa certa ao poupar Lucy. Talvez tudo acabasse bem se eu as deixasse resolver o problema entre elas. Talvez minha intromissão abalasse a boa vontade que tinham para me ajudar. Nunca tinha sido mandona daquele jeito com elas.
Parei na porta do Salão das Mulheres. Talvez lá também não fosse o melhor lugar para ficar. Segui pelo corredor principal até topar com um cantinho discreto, onde havia um banco. Pareceu bom. Corri até a biblioteca para apanhar um livro e voltei para lá. Estava praticamente escondida atrás de um vaso enorme de plantas. A ampla janela dava para o jardim e, por uns instantes, o palácio já não parecia tão pequeno. Contemplava os pássaros do lado de fora enquanto tentava pensar na melhor maneira de avisar meus pais que eles não receberiam mais os cheques.
— Maxon, nós não podemos ter um encontro de verdade? Em algum lugar fora do palácio? — Reconheci no ato a voz de Kriss.
Humm. Talvez o Salão das Mulheres não estivesse tão cheio.
Pude perceber que Maxon sorria quando respondeu:
— Eu bem que gostaria, querida, mas seria complicado mesmo que as coisas estivessem tranquilas.
— Queria vê-lo em um lugar onde você não fosse o príncipe — ela resmungou, fazendo charme.
— Mas eu sou o príncipe em todo lugar.
— Você sabe o que quero dizer.
— Sei. Sinto muito, mas não posso conceder isso a você. Seria ótimo vê-la em outro lugar, onde você não fizesse parte da Elite. Mas esta é a minha vida.
Seu tom de voz ficou mais triste.
— Você se arrependeria? — ele perguntou. — Porque a realidade seria esta, pelo resto de sua vida. Os muros são bonitos, mas são muros. Minha mãe raramente sai do palácio mais do que uma ou duas vezes por ano. — Atrás das folhas grossas da planta, pude observar os dois passarem, sem que notassem minha presença. — E se você acha o público invasivo agora, saiba que será muito pior quando você for a única garota que terão para acompanhar. Sei que seus sentimentos por mim são profundos. Sinto todos os dias. Mas e todos esses inconvenientes da minha vida? É isso mesmo que você quer?
Os dois pareciam ter parado em algum lugar do corredor, pois a voz de Maxon continuava no mesmo volume. Então Kriss respondeu:
— Maxon Schreave, do jeito que você fala parece que para mim é um sacrifício estar aqui. Mas eu agradeço todos os dias por ter sido escolhida. Às vezes, tento imaginar como seria minha vida se não tivéssemos nos conhecido… Prefiro perder você agora do que nunca ter passado pela Seleção.
Sua voz começou a ficar embargada. Não estava chorando, mas quase. Não consegui ver.
— Queria que soubesse que amaria você sem roupas bonitas ou salas maravilhosas. Quero você sem a coroa, Maxon. Só quero você.
Maxon ficou sem palavras por um momento. Imaginei que ele a estivesse abraçando ou limpando suas lágrimas.
— Não consigo dizer o quanto significa para mim ouvir isso. Estava desesperado por ouvir alguém dizer que se importava apenas comigo — ele confessou, baixinho.
— Você é muito importante para mim, Maxon.
Outro momento de silêncio entre os dois.
— Maxon?
— Sim?
— Eu… eu acho que não quero esperar mais.
Quando ouvi tudo isso, deixei o papel e a caneta de lado em silêncio, tirei os sapatos e fui cautelosamente até a ponta do corredor, mesmo sabendo que me arrependeria depois. Espiei por trás da parede e vi Kriss passar delicadamente a mão pela nuca de Maxon, até parar na altura da gola de seu paletó. Os cabelos dela caíram de lado enquanto eles se beijavam. Para sua primeira vez, ela parecia se sair muito bem. Melhor que a primeira vez de Maxon, isso com certeza.
Grudei novamente atrás da parede e ouvi Kriss dar uma risadinha. Maxon deixou escapar um suspiro, meio de triunfo, meio de alívio. Voltei rapidamente para o banquinho e sentei virada para a janela, só para não levantar suspeitas.
— Quando faremos isso de novo? — ela perguntou baixinho.
— Humm. Que tal assim que chegarmos ao seu quarto?
A risada de Kriss foi sumindo à medida que os dois seguiam pelo corredor. Permaneci imóvel por um momento e, em seguida, peguei o papel e a caneta. As palavras vieram com facilidade.

Mãe e pai,
Há tanto o que fazer que preciso ser breve. Na tentativa de provar meu afeto por Maxon e não pelos luxos da Elite, tive que abrir mão da pensão dada às participantes. Sei que estou avisando de última hora, mas tenho certeza de que, com tudo o que recebemos até agora, não poderíamos esperar muito mais.
Espero que não fiquem decepcionados com a notícia. Estou com muita saudade e espero vê-los logo.
Amo todos vocês.
America

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