quinta-feira, 31 de julho de 2014

5° Capitulo (3p) - Cidades de Papel

Certo, talvez não tenhamos tantos suprimentos assim. Na correria, Ben e eu cometemos alguns (embora não fatais) errinhos. Com Radar sozinho no banco da frente, Ben e eu nos sentamos atrás dele e começamos a desempacotar, passando todos os itens para Lacey na parte de trás do carro. Lacey, por sua vez, organiza as compras em pilhas seguindo uma lógica que só ela é capaz de entender.
— Por que os remédios para gripe não estão junto com os analgésicos? — pergunto. — Os remédios não deveriam ficar todos juntos?
— Q, meu amor, você é menino. Não sabe fazer essas coisas. O analgésico fica junto com os chocolates e o Mountain Dew porque todos eles contêm cafeína e ajudam a nos manter acordados. O remédio para gripe fica com as tirinhas de carne-seca porque dá tanto sono quanto comer carne.
— Impressionante — digo.
Depois que entrego a Lacey o último pacote de minha sacola, ela pergunta:
— Q, cadê as comidas… hum… saudáveis?
— O quê?
Lacey pega uma cópia da lista que ela escreveu para mim e lê em voz alta:
— Banana. Maçã. Frutas secas. Uva-passa.
— Ah — digo. — É verdade. O último grupo alimentar não era biscoito.
— Q! — diz ela, furiosa. — Eu não posso comer nada disso!
Ben coloca a mão no ombro dela.
— Mas você pode comer os cookies. Eles não fazem mal. São caseiros.
Lacey bufa, tirando uma mecha de cabelo do rosto. Parece realmente irritada.
— E tem as barrinhas de cereal — digo a ela. — São ricas em vitaminas.
— É, vitaminas e trinta gramas de gordura pura — responde ela.
— Ei, nada de falar mal das barrinhas de cereal — diz Radar lá da frente. — Você quer que eu pare o carro?
— Sempre que como uma barrinha de cereal — diz Ben —, eu penso: “Então esse é o gosto do sangue para os mosquitos.”
Abro uma barrinha sabor brownie até a metade e a seguro diante do rosto de Lacey.
— Sinta só o cheiro — digo. — Sinta o cheiro delicioso das vitaminas.
— Eu vou ficar gorda.
— E espinhenta — acrescenta Ben. — Não se esqueça das espinhas.
Lacey tira a barrinha da minha mão e, relutante, dá uma mordida. Ela precisa fechar os olhos para esconder o prazer orgástico inerente ao se saborear uma barrinha de cereal sabor ​brownie.
— Ai. Meu. Deus. Tem gosto de esperança.


Enfim, desempacotamos a última sacola. Ela contém duas camisetas grandes, com as quais Radar e Ben parecem muito animados porque significa que eles podem virar garotos que usam camisetas enormes por cima de becas ridículas, em vez de só garotos que usam becas ridículas. Mas, quando Ben desdobra as camisetas, percebemos dois pequenos problemas. Primeiro, aparentemente, uma camiseta grande em uma loja de conveniência da Geórgia não é do mesmo tamanho que uma camiseta grande da Old Navy, por exemplo. A camiseta do posto é gigante — está mais para um saco de lixo do que para uma camiseta. É menor do que as becas, mas não muito. Mas isso não é nada comparado ao segundo problema: ambas estão estampadas com bandeiras enormes da Confederação norte-americana. E sobre elas o lema herança, não ódio.
— Ah, não. Você não fez isso — diz Radar quando mostro a ele do que estamos rindo. — Ben Starling, é melhor você não ter comprado para mim, seu amigo negro, uma camiseta com um lema racista.
— Eu peguei as primeiras que vi, cara.
— Não venha com “cara” para cima de mim agora — diz Radar, mas ele está sacudindo a cabeça e rindo.
Entrego a camiseta a ele, que se contorce para dirigir com os joelhos enquanto a veste.
— Tomara que um guarda me pare. Queria muito ver a reação dele ao ver um negro usando uma camiseta da Confederação sobre um vestido preto.

4° Capitulo (3p) - Cidades de Papel

Pela primeira vez, Lacey pergunta:
— Manhê, a gente já tá chegando?
Todo mundo ri. No entanto, ainda estamos na Geórgia, um estado que amo de paixão por um único motivo: o limite de velocidade é de cento e dez quilômetros por hora, o que significa que posso aumentar a velocidade para cento e vinte. Fora isso, a Geórgia me lembra da Flórida.
Passamos a última hora nos preparando para a primeira parada. É uma parada importante porque estou muito, muito, muito, muito faminto e desidratado. Por algum motivo, falar da comida que vamos comprar no posto alivia a fome.
Lacey entrega uma lista de compras para cada um de nós, escrita em letrinhas pequenas no verso das notas fiscais que ela achou na bolsa. Ela faz com que Ben se incline para fora da janela do carona, para ver de que lado fica a bomba de gasolina. E nos obriga a decorar nossa lista e nos testa depois. Falamos sobre a parada um monte de vezes; ela precisa ser bem executada, exatamente como em um pit stop de corrida de carros.
— Mais uma vez — pede Lacey.
— Eu sou o frentista — diz Radar. — Depois que começar a encher o tanque, corro até a lojinha, muito embora eu devesse ficar ao lado da bomba de gasolina o tempo todo, e passo o cartão para você. Depois volto para o carro.
— Eu entrego o cartão para o cara do caixa — diz Lacey.
— Ou moça — acrescento.
— Não importa — responde Lacey.
— Só estou dizendo… Não seja tão machista.
— Ah, tanto faz, Q. Eu entrego o cartão para a pessoa do caixa. E digo a ele ou a ela para passar nesse cartão tudo o que a gente pegar. E então vou ao banheiro.
— Enquanto isso — acrescento —, levo tudo o que estiver na minha lista para o caixa.
— E eu estarei mijando — diz Ben. — Quando terminar, pego as coisas da minha lista.
— O mais importante é pegar umas camisetas — lembra Radar. — As pessoas estão olhando esquisito para mim.
— Aí eu assino o recibo quando sair do banheiro — diz Lacey.
— E assim que o tanque estiver cheio, vou entrar no carro e ir embora, então é melhor vocês três estarem de volta a tempo. Porque eu vou embora mesmo. Vocês têm seis minutos — avisa Radar.
— Seis minutos — digo, concordando com a cabeça.
E Lacey e Ben também repetem:
— Seis minutos.
— Seis minutos.
Às 5h35, faltando mais de mil e quatrocentos quilômetros, Radar nos avisa que, de acordo com seu tablet, haverá um posto da BP na próxima saída.


Assim que entro no posto de gasolina, Lacey e Radar estão encolhidos junto à porta de correr. Ben, já sem o cinto de segurança, está com uma das mãos na maçaneta e a outra apoiada no painel. Mantenho a maior velocidade possível pelo máximo de tempo, e então freio junto à bomba de gasolina. A minivan para com um solavanco e a gente sai voando pelas portas. Radar e eu nos cruzamos na frente do carro; jogo as chaves para ele e corro para a lojinha do posto.
Lacey e Ben chegam antes de mim, mas por pouco. Enquanto Ben dispara para o banheiro, Lacey explica para a mulher grisalha (é uma mulher!) que vamos comprar um monte de coisas, que estamos com muita pressa e que ela tem que passar tudo que a gente trouxer para o caixa no cartão fidelidade da BP. A mulher parece um pouco assustada, mas concorda.
Radar entra correndo, a beca sacudindo, e entrega o cartão para Lacey. Enquanto isso, eu corro pela loja, pegando tudo da minha lista. Lacey está na seção de bebidas; Ben, na de itens não perecíveis; eu, na de comida.
Faço a limpa como se eu fosse um guepardo e os pacotes de salgadinhos, gazelas feridas. Jogo um punhado de batatas fritas, tirinhas de carne-seca e amendoim no balcão e corro para a prateleira de doces. Um pacote de Mentos, outro de Snickers e — ah, não está na lista, mas que se dane, eu amo balinhas Nerds, então acrescento três caixinhas de Nerds.
Corro de volta e sigo para o balcão de frios, que é composto basicamente por sanduíches velhos de peito de peru que parecem muito com presunto. Pego dois. No caminho de volta para o caixa, agarro dois pacotes de bala de caramelo, um pacote de Twinkies e um número indefinido de barrinhas de cereal. Volto para o caixa.
Ben está de beca diante da mulher, entregando a ela algumas camisetas e óculos de sol baratos. Lacey está carregando refrigerantes, energéticos e garrafas de água. Garrafas grandes, do tipo que nem o Ben consegue encher de xixi.
— UM MINUTO! — grita Lacey, e eu entro em pânico. Estou correndo em círculos, passando os olhos pelas prateleiras, tentando me lembrar do que está faltando. Dou uma olhada na lista. Parece que já peguei tudo, mas fico com a sensação de que esqueci algo importante. O que é? Vamos lá, Jacobsen. Batatas fritas, doces, peito de peru que parece presunto, sanduíches de pasta de amendoim e geleia e… o quê? Quais são os outros grupos alimentares? Carne, batata, doces e, e, e, e queijo!
— BISCOITOS! — digo um pouco alto demais e corro para aquela seção, pegando alguns pacotes sabor queijo e pasta de amendoim, e mais uns cookies por via das dúvidas, então corro de volta para o caixa e jogo tudo no balcão.
A moça já empacotou tudo em quatro sacolas. Quase cem dólares de compras, sem contar a gasolina. Vou levar o verão inteiro para pagar os pais de Lacey. Há apenas um momento de pausa, quando a mulher atrás do caixa passa o cartão de Lacey. Dou uma conferida no relógio. Temos vinte segundos para sair. Finalmente ouço a impressão do recibo. A mulher tira o papelzinho da máquina, Lacey rabisca seu nome, e então Ben e eu agarramos as sacolas e corremos de volta para o carro.
Radar faz o motor roncar como que para dizer andem logo, e nós corremos pelo estacionamento, a beca de Ben flutuando ao vento como se ele fosse uma espécie de bruxo das trevas, só que com as pernas brancas e os braços cheios de sacolas de compras. Consigo ver as batatas da perna de Lacey sob o vestido, os músculos contraídos devido à corrida.
Não sei com o que eu me pareço, mas sei como me sinto: Jovem. Estúpido. Infinito.
Lacey e Ben se jogam pelas portas laterais do carro. Mergulho atrás deles, aterrissando em um monte de sacolas plásticas e no colo de Lacey. Radar acelera enquanto fecho a porta de correr e então dispara pelo estacionamento, deixando uma marca de pneu no asfalto pela primeira vez na história das minivans.
Radar pega o acesso para a estrada a uma velocidade considerada pouco segura por algumas pessoas e então entra de novo na rodovia. Estamos quatro segundos adiantados no cronograma. E como em um pit stop da Nascar, a gente comemora com high-fives e tapinhas nas costas. Temos suprimentos. Ben tem lugares o suficiente em que urinar. Eu tenho minhas tirinhas de carne-seca. Lacey tem seus Mentos. Radar e Ben têm camisetas para usar por cima da beca. A minivan se tornou uma biosfera — nos dê gasolina e seguiremos para sempre.

3° Capitulo (3p) - Cidades de Papel

Ben voltou para o banco do carona. Ainda estou dirigindo. Estamos todos com fome. Lacey distribui um chiclete para cada um, o que não dá nem para o começo. Ela está fazendo uma lista gigantesca com tudo que vamos comprar no BP em nossa primeira parada. É melhor que seja um posto muito bem abastecido, pois vamos fazer a limpa.
Ben está balançando as pernas sem parar.
— Dá para parar com isso?
— Já faz três horas que estou com vontade de ir ao banheiro.
— Você já falou isso.
— Dá para sentir o xixi chegando até as minhas costelas — diz ele. — Estou literalmente cheio de xixi. Cara, neste instante, setenta por cento do meu corpo é feito de xixi.
— Ahã — respondo, mal abrindo um sorriso.
É engraçado e tal, mas estou cansado.
— Eu estou prestes a chorar, e vou chorar xixi.
Dessa vez funciona. Rio um pouco. Quando olho para Ben de novo alguns minutos depois, ele está com uma das mãos na virilha, apertando a beca com força.
— Que diabos…? — pergunto.
— Cara, eu preciso mijar. Estou tentando me segurar aqui. — E então ele se vira para trás: — Radar, quanto mais até o posto?
— Ainda faltam uns duzentos e trinta quilômetros para conseguirmos manter o máximo de quatro paradas, o que significa mais ou menos uma hora, cinquenta e oito minutos e trinta segundos, se Q mantiver a velocidade.
— Estou mantendo a velocidade! — grito.
Já estamos ao norte de Jacksonville, nos aproximando da Geórgia.
— Não vai rolar, Radar. Ache alguma coisa em que eu possa mijar.
E todo mundo grita junto: NÃO. De jeito nenhum. Segura a onda aí, como um homem. Como uma dama vitoriana protege seu hímen. Com dignidade e graça, como o presidente dos Estados Unidos deve zelar pelo futuro do mundo livre.
— ALGUÉM ME DÊ ALGUMA COISA OU VOU MIJAR NESTE BANCO. RÁPIDO!
— Ai, caramba — diz Radar, soltando o cinto de segurança. Ele pula para a parte de trás e abre o isopor no porta-malas. Então volta para o banco, se inclina para a frente e passa uma cerveja para Ben. — Graças a Deus essa não precisa de abridor — diz Ben, usando a beca para ajudar a abrir a garrafa.
Ele baixa o vidro e, pelo retrovisor do carona, eu vejo a cerveja sendo derramada na pista. Ben dá um jeito de colocar a garrafa debaixo da beca sem expor as supostamente maiores bolas do mundo, e nós ficamos aqui, sentados, aguardando, com nojo demais para olhar.
— Não dá mesmo para segurar? — estava dizendo Lacey quando ouvimos o barulhinho.
Trata-se de um som que eu nunca tinha ouvido, mas reconheço do mesmo jeito: o barulho de xixi batendo no fundo de uma garrafa. É quase musical. Uma música repugnante e muito agitada. Olho para o lado e vejo o alívio nos olhos de Ben. Ele está sorrindo, olhando para o horizonte.
— Quanto mais você espera, melhor é a sensação — diz ele.
O som muda logo em seguida de xixi batendo na garrafa para gotejar de xixi em cima de xixi. E, lentamente, o sorriso no rosto de Ben desaparece.
— Cara, acho que vou precisar de outra garrafa — diz ele, de repente.
— Outra garrafa, RÁPIDO — grito.
— Outra garrafa chegando!
Em um segundo vejo Radar se debruçando sobre o banco traseiro, a cabeça enfiada no isopor, tirando outra garrafa do gelo. Ele a abre sem usar a beca, baixa um pouco o vidro e joga a cerveja pela janela. Então se inclina para a frente, coloca a cabeça no vão entre os bancos e estende a garrafa para Ben, que está olhando ao redor, em pânico.
— Hum… a troca vai ser um tanto complicada — diz ele.
Desajeitado, ele se atrapalha um pouco, as mãos debaixo da beca, e eu fico tentando não imaginar o que está acontecendo quando surge uma garrafa de Miller Lite cheia de xixi (e que surpreendentemente se parece muito com Miller Lite).
Ben coloca a garrafa cheia no porta-copos do carro, pega a garrafa vazia das mãos de Radar e suspira de alívio. Enquanto isso, o restante de nós fica a contemplar o xixi no porta-copos. A estrada não é particularmente acidentada, mas o carro deixa a desejar em estabilidade, então o xixi balança dentro da garrafa.
— Ben, se você sujar meu carro novinho, eu vou cortar suas bolas.
Ainda mijando, Ben se vira para mim com um meio sorriso no rosto:
— Cara, você vai precisar de uma faca e tanto.
E então finalmente ouço o barulho do fluxo diminuir. Ele termina e em um movimento rápido joga a segunda garrafa pela janela. A primeira vai logo depois. Lacey finge que está com ânsia de vômito — ou talvez esteja mesmo.
— Você acordou hoje de manhã e bebeu setenta litros d’água? — pergunta Radar.
Mas Ben está radiante. Erguendo os punhos no ar, triunfante, e gritando:
— Nem uma gotinha no banco! Meu nome é Ben Starling. Primeiro clarinete na banda da WPHS. Recordista de keg stand. Campeão mundial de mijada no carro. Eu deixo todo mundo boladão! Eu sou o maioral!
Trinta e cinco minutos depois, quando estamos quase totalizando três horas de viagem, Ben pergunta baixinho:
— Quando é mesmo que a gente vai parar?
— Daqui a uma hora e três minutos, se Q mantiver a velocidade — responde Radar.
— Beleza — diz Ben. — Porque eu preciso ir ao  banheiro.

2° Capitulo (3p) - Cidades de Papel

Ainda estou dirigindo. Agora seguimos para o norte, na rodovia I-95, subindo próximos à costa da Flórida, mas não exatamente nela. O caminho é cercado por pinheiros finos demais para a altura deles, mais ou menos como eu. Mas diante de nós só há a estrada, carros ficando para trás e, uma vez ou outra, carros nos ultrapassando, e tenho sempre que prestar atenção em quem está na frente e quem está atrás, quem se aproxima e quem se afasta.
Lacey e Ben estão sentados no mesmo banco, e Radar está na parte de trás, e eles começam a jogar uma versão retardada de “Adivinhação” na qual só é permitido adivinhar coisas que não podem ser vistas fisicamente.
— O que é, o que é… algo tragicamente descolado? — diz Radar.
— É o meio sorriso de Ben? — pergunta Lacey.
— Não — diz Radar. — E pare de ser tão melosa com Ben. É nojento.
— É a ideia de ficar pelado debaixo da beca e então ter que viajar de carro até Nova York, enquanto todo mundo nos outros carros acha que você está de vestido?
— Não — diz Radar. — Isso é apenas trágico.
— Um dia vocês vão aprender a gostar de vestidos. — Lacey sorri. — É legal sentir o ventinho.
— Já sei, já sei! — digo do banco do motorista. — É uma viagem de vinte e quatro horas em uma minivan. É descolado porque viagens de carro são sempre descoladas; é trágico porque o gás carbônico que o carro está emitindo vai destruir o planeta.
Radar diz que não, e eles continuam tentando adivinhar. Sigo dirigindo a cento e quinze quilômetros por hora, torcendo para não levar uma multa e jogando “Adivinhação Metafísica”. E descobrimos que a coisa tragicamente descolada é não termos devolvido nossas becas alugadas a tempo.
Passo a toda por um carro de polícia estacionado no canteiro central da rodovia. Aperto o volante com força, certo de que ele vai seguir o carro e nos mandar encostar. Mas ele não faz nada. Talvez saiba que só estou indo rápido porque é realmente necessário.

1° Capitulo (3p) - Cidades de Papel

Demora um tempo para todos explicarem aos pais que 1) Nós vamos perder a colação de grau, e que 2) Vamos a Nova York para 3) Ver uma cidade que pode ou não existir e, com alguma sorte, 4) Interceptar um usuário do Omnictionary que, de acordo com o Uso aleatório de Maiúsculas é 5) Margo Roth Spiegelman.
Radar é o último a desligar e, quando enfim consegue, diz:
— Eu gostaria de fazer um comunicado. Meus pais estão muito bravos por eu não estar na minha formatura. Minha namorada também está muito brava, porque a gente tinha programado algo muito especial para daqui a umas oito horas. Não quero entrar em detalhes sobre isso, mas é melhor que esta viagem seja realmente muito divertida.
— Sua habilidade em não perder a virgindade é uma inspiração para todos nós — diz Ben ao meu lado.
Encaro Radar pelo retrovisor interno.
— AÊÊÊ! PÉ NA ESTRADA! — grito para ele.
Apesar de tudo, ele sorri. O prazer de ir embora.
Estamos na rodovia I-4, e o trânsito está tranquilo, o que por si só já é praticamente um milagre. Sigo pela faixa da esquerda, dirigindo a cem quilômetros por hora, dez acima do limite de velocidade da estrada, isso porque ouvi dizer que a polícia não multa o carro se o motorista só ultrapassar o limite em dez quilômetros por hora.
Em um instante, todos nós assumimos nossos papéis. No último banco, Lacey é nossa gerente de recursos. E ela lista em voz alta tudo o que temos para a viagem: metade de um Snickers que Ben estava comendo quando liguei para falar de Margo; duzentas e doze garrafas de cerveja no porta-malas; o itinerário que imprimi do Google Maps; e os seguintes itens na bolsa dela: oito chicletes, um lápis, lenços de papel, três absorventes internos, óculos escuros, brilho labial, as chaves de casa, um cartão de sócio da ACM, um cartão da biblioteca, algumas notas fiscais, trinta e cinco pratas e um cartão fidelidade dos postos de gasolina da BP.
— Que maneiro! — exclama Lacey. — É como se fôssemos pioneiros sem recursos! Mas gostaria que tivéssemos um pouco mais de dinheiro.
— Pelo menos temos o cartão da BP — digo. — Podemos abastecer e comprar comida.
Olho pelo retrovisor interno e vejo Radar, de beca, vasculhando a bolsa de Lacey. A beca é um tanto decotada, então consigo ver um pouco dos pelos encaracolados do peito dele.
— Você não tem nenhuma cueca aí dentro, tem? — pergunta ele.
— Falando sério, é melhor a gente dar uma parada na Gap — acrescenta Ben.
A função de Radar, que ele começa a executar com a calculadora do tablet, é Pesquisa e Cálculos. Ele está sozinho no banco atrás de mim, com o itinerário e o manual do proprietário do carro aberto ao lado. Está calculando a que velocidade precisamos dirigir para chegar a Agloe ao meio-dia do dia seguinte, quantas vezes vamos ter que parar para que a gasolina não acabe, onde, em nossa rota, existem postos BP e quanto tempo vamos perder a cada parada e a cada vez que desacelerarmos para pegar uma saída.
— A gente vai precisar abastecer quatro vezes. E as paradas têm que ser muito curtas. No máximo seis minutos fora da estrada. Vamos passar por três trechos longos de obras, além do trânsito de Jacksonville, Washington e da Filadélfia, embora as estradas de Washington estejam mais vazias quando passarmos por lá umas três da manhã. De acordo com meus cálculos, nossa velocidade média deve ser de cento e quinze quilômetros por hora. A quanto estamos agora?
— Cem — respondo. — O limite é noventa.
— Então vá a cento e quinze — diz ele.
— Não posso. É perigoso e vou levar uma multa.
— Vá a cento e quinze. Piso fundo no acelerador.
Parte da dificuldade reside no fato de eu estar hesitante em dirigir a cento e quinze por hora, a outra parte está no fato de o próprio carro se recusar a andar a cento e quinze por hora. Ele começa a tremer de um jeito que parece indicar que vai cair aos pedaços. Continuo na faixa da esquerda, embora não seja o carro mais veloz da estrada. Me sinto mal por haver gente me ultrapassando pela direita, mas preciso de uma pista vazia, pois, diferentemente dos outros carros na estrada, não posso ir mais devagar. E este é meu papel: dirigir e ficar nervoso.
E então percebo que não é a primeira vez que recebo essa função.
E Ben? O papel de Ben é precisar ir ao banheiro. Primeiro parece que sua função principal é reclamar que não temos nenhum CD e que todas as estações de rádio de Orlando são uma porcaria, exceto a estação universitária, que já está fora de alcance. Mas logo ele ignora tudo isso em função de sua verdadeira vocação: precisar ir ao banheiro.
— Eu preciso ir ao banheiro — diz ele às 3h06 da tarde.
Estamos na estrada há quarenta e três minutos. Temos aproximadamente um dia de viagem pela frente.
— Bem — diz Radar —, a boa notícia é que vamos parar. A notícia ruim é que vai ser daqui a quatro horas e trinta minutos.
— Acho que dá pra segurar — diz Ben. E às 3h10 ele anuncia: — Na verdade, eu realmente preciso mijar. Sério.
Todo mundo no carro responde em coro:
— Aguenta aí.
— Mas eu… — diz ele.
— Aguenta aí! — responde todo mundo de novo.
Está engraçado, por enquanto, com Ben precisando ir ao banheiro e a gente precisando fazê-lo segurar. Ele ri e reclama que rir só faz com que precise ainda mais ir ao banheiro.
Lacey se estica e começa a fazer cosquinha na lateral da barriga dele. Ele ri e reclama, e eu também rio, mantendo a velocidade de cento e quinze quilômetros por hora.
Me pergunto se Margo criou esta viagem para nós de propósito ou por acaso — e, qualquer que seja a resposta, é a coisa mais divertida que já fiz desde a última vez que passei horas atrás do volante de um carro.

A Escolha

              
America era a candidata mais improvável da Seleção: se inscreveu por insistência da mãe e aceitou participar da competição só para se afastar de Aspen, um garoto que partira seu coração. Ao conhecer melhor o príncipe, porém, surgiu uma amizade que logo se transformou em algo mais… No entanto, toda vez que Maxon parecia estar certo de que escolheria America, algum obstáculo fazia os dois se afastarem.
Um desses obstáculos era Aspen, que passou a ocupar o posto de guarda no palácio e estava decidido a reconquistar a namorada. Em encontros proibidos, ele a reconfortava em meio àquele mundo de luxos e rivalidades. Com essas idas e vindas, America perdeu um pouco de espaço no coração do príncipe, lugar que foi prontamente ocupado por outra concorrente. Para completar, o rei odiava America e a considerava a pior opção para o filho. Assim, tentava sabotar a relação dos dois, inventando mentiras e colocando a garota em prova a todo instante.
Agora, para conseguir o que deseja, America precisa cortar os laços com Aspen, conquistar o povo de Illéa e conseguir novos aliados políticos. Mas tudo pode sair do controle quando ela começa a questionar o sistema de castas e a estratégia usada para lidar com os ataques rebeldes.

5° Capitulo - A Escolha

EU DAVA VOLTAS PELA BIBLIOTECA DO PRIMEIRO ANDAR, retorcendo as mãos e tentando organizar as palavras que ia dizer. Sabia que precisava explicar o que tinha acabado de acontecer antes que ele ouvisse da boca das outras meninas, mas isso não queria dizer que estava ansiosa pela conversa.
— Toc, toc — ele disse enquanto entrava. Logo notou a preocupação em meu rosto. — O que houve?
— Não fique bravo — avisei enquanto ele se aproximava.
Maxon desacelerou o passo. Sua expressão apreensiva agora era de cautela.
— Tentarei.
— As garotas sabem que vi você sem camisa.
Ao ver a pergunta se formar em sua boca, emendei:
— Não contei nada sobre as suas costas — jurei. — Até quis, porque agora elas simplesmente acham que passamos a noite no maior amasso.
Maxon sorriu.
— Mas foi assim no final das contas.
— Sem gracinhas, Maxon! Elas me odeiam agora.
Ele me abraçou sem perder o brilho nos olhos.
— Se serve de consolo, não estou bravo. Não me importo, desde que você guarde meu segredo. Só estou um pouco chocado que você tenha contado a elas. Aliás, como esse assunto surgiu?
Deitei a cabeça em seu peito.
— Acho que não posso contar.
— Humm… Pensei que estivéssemos trabalhando nossa confiança — ele disse, correndo o polegar pelas minhas costas.
— E estamos. Peço que confie em mim quando digo que as coisas só vão piorar se eu contar o resto.
Talvez eu estivesse enganada, mas algo me dizia que revelar a Maxon o episódio dos guardas suados e sem camisa traria algum tipo de problema para todas nós.
— Certo — ele disse enfim. — Então as garotas sabem que você me viu parcialmente despido. Algo mais?
— Elas sabem — comecei, depois de um pouco de hesitação — que seu primeiro beijo foi comigo. E eu sei tudo o que você fez ou deixou de fazer com elas.
Maxon deu um pulo para trás.
— O quê?
— Depois que deixei escapar a história de você sem camisa, começou uma sessão de acusações e resolvemos falar a verdade. Sei que você já beijou Celeste várias vezes e que já teria beijado Kriss há tempos se ela tivesse deixado. Tudo veio à tona.
Ele levou a mão ao rosto e deu alguns passos enquanto processava as informações.
— Então não tenho mais nenhuma privacidade? Nenhuma? Porque vocês quatro resolveram comparar os placares?
Sua frustração era evidente.
— Para alguém tão preocupado com a honestidade, você deveria agradecer.
Maxon parou e me encarou.
— Como é?
— Tudo está às claras agora. Todas nós temos uma boa ideia da situação de cada uma. Eu, por exemplo, estou grata.
Maxon contorceu o rosto.
— Grata?
— Se você tivesse me contado antes que Celeste e eu tínhamos quase a mesma intimidade física com você, eu não teria tentado nada na noite passada. Você tem ideia da humilhação que passei?
O príncipe deu uma risada irônica e voltou a andar.
— Por favor, America. Você já disse e fez tantas coisas estúpidas que para mim seria uma surpresa descobrir que você ainda é capaz de sentir vergonha.
Talvez por ter recebido uma educação menos sofisticada, demorei um pouco para sentir todo o impacto daquelas palavras.
Maxon sempre gostara de mim. Ao menos era o que dizia. E sentia isso apesar da opinião dos outros. Seria também apesar de sua própria opinião?
— Vou me retirar — eu disse com a voz calma, incapaz de encará-lo nos olhos. — Me desculpe por contar a história da camisa.
Segui em direção à porta, me sentindo tão pequena que me perguntava se ele teria notado o movimento.
— Vamos, America. Não quis dar a entender que…
— Não, tudo bem — balbuciei. — Vou prestar mais atenção às minhas palavras.
Subi as escadas. Não sabia ao certo se queria ou não que Maxon me seguisse. Ele ficou.
Quando cheguei ao quarto, encontrei Anne, Mary e Lucy, que trocavam os lençóis e espanavam as prateleiras.
— Olá, senhorita — cumprimentou Anne. — Deseja um chá?
— Não. Só quero sentar na sacada um pouquinho. Se alguém me procurar, diga que estou descansando.
Anne franziu a testa, mas concordou.
— Claro.
Passei um tempo tomando ar fresco. Depois dei uma lida no texto que Silvia tinha preparado para nós. Tirei um cochilo e toquei um pouco de violino. Desde que eu conseguisse ficar longe das outras meninas e de Maxon, não me importava de fazer absolutamente qualquer coisa.
Com o rei fora, tínhamos permissão para fazer as refeições no quarto. Foi o que fiz. Quando estava na metade do meu frango ao molho de pimenta e limão, ouvi baterem à porta. Talvez estivesse paranoica, mas tinha certeza de que era Maxon.
Não tinha condições de vê-lo naquele momento. Agarrei Mary e Anne e fui ao banheiro.
— Lucy — sussurrei — diga a ele que estou no banho.
— Ele? Banho?
— Sim. Não o deixe entrar — foi minha instrução.
Fechei a porta e grudei o ouvido nela.
— O que significa isso? — Anne perguntou.
— Conseguem ouvir alguma coisa? — perguntei.
As duas também encostaram o ouvido na porta, à espera de algum som inteligível.
Eu só escutava a voz abafada de Lucy, mas quando me aproximei do vão da porta, pude ouvir claramente a seguinte conversa:
— Ela está no banho, Alteza — Lucy respondeu com tranquilidade. Era mesmo Maxon.
— Ah, tinha esperança de que ela ainda estivesse comendo. Pensei que talvez pudéssemos jantar juntos.
— A senhorita decidiu tomar um banho antes de comer.
A voz de Lucy vacilava um pouco, se sentindo mal com a mentira.
Vamos, Lucy. Aguente firme, pensei.
— Entendi. Bom, você poderia pedir para America me chamar quando terminar? Gostaria de falar com ela.
— Humm… Talvez o banho seja demorado, Alteza.
Maxon se calou por um momento.
— Ah. Tudo bem. Então você pode, por favor, dizer a ela que estive aqui e que ela pode me chamar se quiser conversar? Diga também para não se preocupar com a hora. Eu virei.
— Sim, senhor.
Houve um longo silêncio. Comecei a achar que ele já tinha saído.
— Bem… Obrigado — Maxon disse afinal. — Boa noite.
— Boa noite, Alteza.
Fiquei escondida por mais alguns instantes para ter certeza de que ele tinha ido embora. Quando saí, Lucy ainda estava ao lado da porta. Percebi a expressão de interrogação nos olhos das criadas.
— Só quero ficar sozinha esta noite — expliquei vagamente. — Aliás, acho que já estou pronta para dormir. Por favor, levem a bandeja com o jantar. Vou me preparar para deitar.
— A senhorita quer que uma de nós fique? — perguntou Mary. — Caso deseje chamar o príncipe?
Dava para perceber a esperança nos olhos delas, mas tive que desapontá-las.
— Não. Só preciso descansar. Vejo Maxon pela manhã.
Era estranha a sensação de me deitar sabendo que existia uma pendência entre mim e Maxon, mas não sabia o que dizer a ele naquele momento. Não fazia sentido. Já tínhamos passado por tantos altos e baixos, por tantas tentativas de transformar o que havia entre nós em uma relação de verdade. Estava claro, porém, que, se isso fosse acontecer, ainda teríamos um longo caminho pela frente.


Fui acordada bruscamente antes do amanhecer. A luz do corredor invadiu meu quarto e, enquanto eu ainda esfregava os olhos, um guarda entrou.
— Senhorita America, acorde, por favor — disse ele.
— O que houve? — perguntei com um bocejo.
— Uma emergência. A senhorita precisa descer até o primeiro andar.
Senti meu coração parar na hora. Minha família tinha morrido; eu sabia. Guardas haviam sido enviados; tínhamos avisado nossos familiares que isso era possível, mas havia rebeldes demais. O mesmo acontecera com Natalie. Ela deixara a Seleção depois que os rebeldes mataram sua irmã mais nova. Nossas famílias não estavam seguras.
Joguei os cobertores no chão e vesti o roupão e pantufas. Atravessei o corredor e a escadaria o mais rápido que pude. Quase caí duas vezes nos degraus.
Quando cheguei ao primeiro andar, encontrei Maxon conversando seriamente com um guarda. Corri até ele, sem nem me lembrar do que tinha acontecido nos dias anteriores.
— Como eles estão? — perguntei, tentando segurar o choro. — Foi muito grave?
— O quê? — ele perguntou, com um abraço inesperado.
— Meus pais, meus irmãos! Como eles estão?
Maxon me segurou pelos braços e me olhou bem sério.
— Eles estão bem, America. Desculpe; eu devia ter imaginado que essa seria a primeira coisa a vir à sua cabeça.
Quase chorei de alívio.
Maxon parecia um pouco confuso, mas continuou:
— Os rebeldes estão no palácio.
— O quê? — exclamei. — E por que não vamos nos esconder?
— Não estão aqui para atacar.
— Então, por que estão aqui?
O príncipe soltou um suspiro.
— São apenas dois rebeldes nortistas. Não vieram armados e querem falar especificamente comigo… e com você.
— Por que eu?
— Não sei ao certo. Vou falar com eles agora e pensei em chamar você para participar da conversa também.
Olhei para a minha roupa e passei a mão no cabelo.
— Estou de camisola.
Maxon sorriu.
— Eu sei, mas vai ser bem informal. Não tem problema.
— Você quer que eu fale com eles?
— A escolha é sua, mas estou curioso para saber por que esses rebeldes pediram para falar com você em especial. E não sei se vão contar o motivo se você estiver ausente.
Baixei a cabeça e comecei a ponderar a situação. Não tinha certeza de que queria conversar com os rebeldes. Com ou sem armas, eles eram muito mais letais do que eu jamais seria. Mas se Maxon achava que eu podia, talvez devesse tentar…
— Tudo bem — eu disse, endireitando o corpo. — Tudo bem.
— Você não vai se machucar, America. Prometo.
Ele ainda segurava minha mão e apertou de leve meus dedos.
— Vá na frente — Maxon disse ao guarda. — Mantenha o coldre aberto por precaução.
— Claro, Alteza — respondeu o guarda, e depois nos guiou pelo corredor até o Grande Salão, onde duas pessoas estavam de pé, cercadas por mais guardas.
Em segundos encontrei Aspen na multidão.
— Você poderia dispensar seus cães de guarda? — pediu um dos rebeldes.
Ele era alto, magro e loiro. Suas botas estavam cobertas de lama e sua roupa parecia de um Sete: calças grosseiras mais ou menos justas, uma camisa remendada e uma jaqueta de couro surrada. Uma bússola enferrujada pendia de seu pescoço por uma longa corrente e movia-se quando ele mexia o pescoço. Tinha uma aparência bruta sem ser assustador, e isso não era bem o que eu esperava.
Muito mais inesperado era ele estar acompanhado por uma moça. Ela também calçava botas. No entanto, como se quisesse parecer preparada e estilosa ao mesmo tempo, vestia uma legging e uma saia feita do mesmo tecido que a calça do rapaz. Suas mãos repousavam confiantes nos quadris, apesar de todos os guardas que a cercavam. Mesmo que eu não tivesse reconhecido seu rosto, teria lembrado de sua jaqueta. Era jeans, acinturada e com flores bordadas.
Para confirmar que eu sabia quem ela era, a moça fez uma pequena reverência. Deixei escapar algo entre um riso e um arquejo.
— O que foi? — Maxon perguntou.
— Depois — cochichei.
Ele estava confuso, mas calmo, e apertou novamente minha mão. Então, voltamos nossa atenção aos convidados.
— Viemos conversar em paz — anunciou o homem. — Estamos desarmados e fomos revistados por seus guardas. Sei que talvez seja inadequado pedir privacidade, mas gostaríamos de discutir assuntos que ninguém mais deve ouvir.
— E America? — perguntou Maxon.
— Queremos falar com ela também.
— Com que finalidade?
— Mais uma vez — o jovem respondeu, quase com desdém — precisamos conversar a sós, longe desses caras — e, com um sorriso cínico, estendeu o braço na direção dos soldados.
— Se você acha que pode machucá-la…
— Sei que vocês não acreditam em nós, e por um bom motivo. Só que não temos por que machucar vocês. Queremos apenas conversar.
Maxon refletiu por um instante.
— Você — ordenou a um dos guardas — traga uma mesa e quatro cadeiras para cá. Depois, afastem-se para dar espaço aos nossos visitantes.
Os soldados obedeceram, e permanecemos calados por alguns poucos e desconfortáveis minutos. Quando finalmente trouxeram uma mesa de uma pilha no canto e puseram um par de cadeiras de cada lado, Maxon indicou aos dois rebeldes que se sentassem conosco.
À medida que caminhávamos, os guardas se afastavam e, em silêncio, formavam um círculo ao redor do salão. Com os olhos fixos nos rebeldes, pareciam prontos para atirar sem pensar duas vezes.
Ainda em pé junto à mesa, o rebelde estendeu a mão.
— Não acha que é hora de fazer as apresentações?
Maxon olhou para ele com cuidado, mas depois cedeu.
— Maxon Schreave, seu soberano.
O jovem conteve o riso.
— É uma honra, senhor.
— E você, quem é?
— August Illéa, a seu serviço.