quinta-feira, 31 de julho de 2014

5° Capitulo - A Escolha

EU DAVA VOLTAS PELA BIBLIOTECA DO PRIMEIRO ANDAR, retorcendo as mãos e tentando organizar as palavras que ia dizer. Sabia que precisava explicar o que tinha acabado de acontecer antes que ele ouvisse da boca das outras meninas, mas isso não queria dizer que estava ansiosa pela conversa.
— Toc, toc — ele disse enquanto entrava. Logo notou a preocupação em meu rosto. — O que houve?
— Não fique bravo — avisei enquanto ele se aproximava.
Maxon desacelerou o passo. Sua expressão apreensiva agora era de cautela.
— Tentarei.
— As garotas sabem que vi você sem camisa.
Ao ver a pergunta se formar em sua boca, emendei:
— Não contei nada sobre as suas costas — jurei. — Até quis, porque agora elas simplesmente acham que passamos a noite no maior amasso.
Maxon sorriu.
— Mas foi assim no final das contas.
— Sem gracinhas, Maxon! Elas me odeiam agora.
Ele me abraçou sem perder o brilho nos olhos.
— Se serve de consolo, não estou bravo. Não me importo, desde que você guarde meu segredo. Só estou um pouco chocado que você tenha contado a elas. Aliás, como esse assunto surgiu?
Deitei a cabeça em seu peito.
— Acho que não posso contar.
— Humm… Pensei que estivéssemos trabalhando nossa confiança — ele disse, correndo o polegar pelas minhas costas.
— E estamos. Peço que confie em mim quando digo que as coisas só vão piorar se eu contar o resto.
Talvez eu estivesse enganada, mas algo me dizia que revelar a Maxon o episódio dos guardas suados e sem camisa traria algum tipo de problema para todas nós.
— Certo — ele disse enfim. — Então as garotas sabem que você me viu parcialmente despido. Algo mais?
— Elas sabem — comecei, depois de um pouco de hesitação — que seu primeiro beijo foi comigo. E eu sei tudo o que você fez ou deixou de fazer com elas.
Maxon deu um pulo para trás.
— O quê?
— Depois que deixei escapar a história de você sem camisa, começou uma sessão de acusações e resolvemos falar a verdade. Sei que você já beijou Celeste várias vezes e que já teria beijado Kriss há tempos se ela tivesse deixado. Tudo veio à tona.
Ele levou a mão ao rosto e deu alguns passos enquanto processava as informações.
— Então não tenho mais nenhuma privacidade? Nenhuma? Porque vocês quatro resolveram comparar os placares?
Sua frustração era evidente.
— Para alguém tão preocupado com a honestidade, você deveria agradecer.
Maxon parou e me encarou.
— Como é?
— Tudo está às claras agora. Todas nós temos uma boa ideia da situação de cada uma. Eu, por exemplo, estou grata.
Maxon contorceu o rosto.
— Grata?
— Se você tivesse me contado antes que Celeste e eu tínhamos quase a mesma intimidade física com você, eu não teria tentado nada na noite passada. Você tem ideia da humilhação que passei?
O príncipe deu uma risada irônica e voltou a andar.
— Por favor, America. Você já disse e fez tantas coisas estúpidas que para mim seria uma surpresa descobrir que você ainda é capaz de sentir vergonha.
Talvez por ter recebido uma educação menos sofisticada, demorei um pouco para sentir todo o impacto daquelas palavras.
Maxon sempre gostara de mim. Ao menos era o que dizia. E sentia isso apesar da opinião dos outros. Seria também apesar de sua própria opinião?
— Vou me retirar — eu disse com a voz calma, incapaz de encará-lo nos olhos. — Me desculpe por contar a história da camisa.
Segui em direção à porta, me sentindo tão pequena que me perguntava se ele teria notado o movimento.
— Vamos, America. Não quis dar a entender que…
— Não, tudo bem — balbuciei. — Vou prestar mais atenção às minhas palavras.
Subi as escadas. Não sabia ao certo se queria ou não que Maxon me seguisse. Ele ficou.
Quando cheguei ao quarto, encontrei Anne, Mary e Lucy, que trocavam os lençóis e espanavam as prateleiras.
— Olá, senhorita — cumprimentou Anne. — Deseja um chá?
— Não. Só quero sentar na sacada um pouquinho. Se alguém me procurar, diga que estou descansando.
Anne franziu a testa, mas concordou.
— Claro.
Passei um tempo tomando ar fresco. Depois dei uma lida no texto que Silvia tinha preparado para nós. Tirei um cochilo e toquei um pouco de violino. Desde que eu conseguisse ficar longe das outras meninas e de Maxon, não me importava de fazer absolutamente qualquer coisa.
Com o rei fora, tínhamos permissão para fazer as refeições no quarto. Foi o que fiz. Quando estava na metade do meu frango ao molho de pimenta e limão, ouvi baterem à porta. Talvez estivesse paranoica, mas tinha certeza de que era Maxon.
Não tinha condições de vê-lo naquele momento. Agarrei Mary e Anne e fui ao banheiro.
— Lucy — sussurrei — diga a ele que estou no banho.
— Ele? Banho?
— Sim. Não o deixe entrar — foi minha instrução.
Fechei a porta e grudei o ouvido nela.
— O que significa isso? — Anne perguntou.
— Conseguem ouvir alguma coisa? — perguntei.
As duas também encostaram o ouvido na porta, à espera de algum som inteligível.
Eu só escutava a voz abafada de Lucy, mas quando me aproximei do vão da porta, pude ouvir claramente a seguinte conversa:
— Ela está no banho, Alteza — Lucy respondeu com tranquilidade. Era mesmo Maxon.
— Ah, tinha esperança de que ela ainda estivesse comendo. Pensei que talvez pudéssemos jantar juntos.
— A senhorita decidiu tomar um banho antes de comer.
A voz de Lucy vacilava um pouco, se sentindo mal com a mentira.
Vamos, Lucy. Aguente firme, pensei.
— Entendi. Bom, você poderia pedir para America me chamar quando terminar? Gostaria de falar com ela.
— Humm… Talvez o banho seja demorado, Alteza.
Maxon se calou por um momento.
— Ah. Tudo bem. Então você pode, por favor, dizer a ela que estive aqui e que ela pode me chamar se quiser conversar? Diga também para não se preocupar com a hora. Eu virei.
— Sim, senhor.
Houve um longo silêncio. Comecei a achar que ele já tinha saído.
— Bem… Obrigado — Maxon disse afinal. — Boa noite.
— Boa noite, Alteza.
Fiquei escondida por mais alguns instantes para ter certeza de que ele tinha ido embora. Quando saí, Lucy ainda estava ao lado da porta. Percebi a expressão de interrogação nos olhos das criadas.
— Só quero ficar sozinha esta noite — expliquei vagamente. — Aliás, acho que já estou pronta para dormir. Por favor, levem a bandeja com o jantar. Vou me preparar para deitar.
— A senhorita quer que uma de nós fique? — perguntou Mary. — Caso deseje chamar o príncipe?
Dava para perceber a esperança nos olhos delas, mas tive que desapontá-las.
— Não. Só preciso descansar. Vejo Maxon pela manhã.
Era estranha a sensação de me deitar sabendo que existia uma pendência entre mim e Maxon, mas não sabia o que dizer a ele naquele momento. Não fazia sentido. Já tínhamos passado por tantos altos e baixos, por tantas tentativas de transformar o que havia entre nós em uma relação de verdade. Estava claro, porém, que, se isso fosse acontecer, ainda teríamos um longo caminho pela frente.


Fui acordada bruscamente antes do amanhecer. A luz do corredor invadiu meu quarto e, enquanto eu ainda esfregava os olhos, um guarda entrou.
— Senhorita America, acorde, por favor — disse ele.
— O que houve? — perguntei com um bocejo.
— Uma emergência. A senhorita precisa descer até o primeiro andar.
Senti meu coração parar na hora. Minha família tinha morrido; eu sabia. Guardas haviam sido enviados; tínhamos avisado nossos familiares que isso era possível, mas havia rebeldes demais. O mesmo acontecera com Natalie. Ela deixara a Seleção depois que os rebeldes mataram sua irmã mais nova. Nossas famílias não estavam seguras.
Joguei os cobertores no chão e vesti o roupão e pantufas. Atravessei o corredor e a escadaria o mais rápido que pude. Quase caí duas vezes nos degraus.
Quando cheguei ao primeiro andar, encontrei Maxon conversando seriamente com um guarda. Corri até ele, sem nem me lembrar do que tinha acontecido nos dias anteriores.
— Como eles estão? — perguntei, tentando segurar o choro. — Foi muito grave?
— O quê? — ele perguntou, com um abraço inesperado.
— Meus pais, meus irmãos! Como eles estão?
Maxon me segurou pelos braços e me olhou bem sério.
— Eles estão bem, America. Desculpe; eu devia ter imaginado que essa seria a primeira coisa a vir à sua cabeça.
Quase chorei de alívio.
Maxon parecia um pouco confuso, mas continuou:
— Os rebeldes estão no palácio.
— O quê? — exclamei. — E por que não vamos nos esconder?
— Não estão aqui para atacar.
— Então, por que estão aqui?
O príncipe soltou um suspiro.
— São apenas dois rebeldes nortistas. Não vieram armados e querem falar especificamente comigo… e com você.
— Por que eu?
— Não sei ao certo. Vou falar com eles agora e pensei em chamar você para participar da conversa também.
Olhei para a minha roupa e passei a mão no cabelo.
— Estou de camisola.
Maxon sorriu.
— Eu sei, mas vai ser bem informal. Não tem problema.
— Você quer que eu fale com eles?
— A escolha é sua, mas estou curioso para saber por que esses rebeldes pediram para falar com você em especial. E não sei se vão contar o motivo se você estiver ausente.
Baixei a cabeça e comecei a ponderar a situação. Não tinha certeza de que queria conversar com os rebeldes. Com ou sem armas, eles eram muito mais letais do que eu jamais seria. Mas se Maxon achava que eu podia, talvez devesse tentar…
— Tudo bem — eu disse, endireitando o corpo. — Tudo bem.
— Você não vai se machucar, America. Prometo.
Ele ainda segurava minha mão e apertou de leve meus dedos.
— Vá na frente — Maxon disse ao guarda. — Mantenha o coldre aberto por precaução.
— Claro, Alteza — respondeu o guarda, e depois nos guiou pelo corredor até o Grande Salão, onde duas pessoas estavam de pé, cercadas por mais guardas.
Em segundos encontrei Aspen na multidão.
— Você poderia dispensar seus cães de guarda? — pediu um dos rebeldes.
Ele era alto, magro e loiro. Suas botas estavam cobertas de lama e sua roupa parecia de um Sete: calças grosseiras mais ou menos justas, uma camisa remendada e uma jaqueta de couro surrada. Uma bússola enferrujada pendia de seu pescoço por uma longa corrente e movia-se quando ele mexia o pescoço. Tinha uma aparência bruta sem ser assustador, e isso não era bem o que eu esperava.
Muito mais inesperado era ele estar acompanhado por uma moça. Ela também calçava botas. No entanto, como se quisesse parecer preparada e estilosa ao mesmo tempo, vestia uma legging e uma saia feita do mesmo tecido que a calça do rapaz. Suas mãos repousavam confiantes nos quadris, apesar de todos os guardas que a cercavam. Mesmo que eu não tivesse reconhecido seu rosto, teria lembrado de sua jaqueta. Era jeans, acinturada e com flores bordadas.
Para confirmar que eu sabia quem ela era, a moça fez uma pequena reverência. Deixei escapar algo entre um riso e um arquejo.
— O que foi? — Maxon perguntou.
— Depois — cochichei.
Ele estava confuso, mas calmo, e apertou novamente minha mão. Então, voltamos nossa atenção aos convidados.
— Viemos conversar em paz — anunciou o homem. — Estamos desarmados e fomos revistados por seus guardas. Sei que talvez seja inadequado pedir privacidade, mas gostaríamos de discutir assuntos que ninguém mais deve ouvir.
— E America? — perguntou Maxon.
— Queremos falar com ela também.
— Com que finalidade?
— Mais uma vez — o jovem respondeu, quase com desdém — precisamos conversar a sós, longe desses caras — e, com um sorriso cínico, estendeu o braço na direção dos soldados.
— Se você acha que pode machucá-la…
— Sei que vocês não acreditam em nós, e por um bom motivo. Só que não temos por que machucar vocês. Queremos apenas conversar.
Maxon refletiu por um instante.
— Você — ordenou a um dos guardas — traga uma mesa e quatro cadeiras para cá. Depois, afastem-se para dar espaço aos nossos visitantes.
Os soldados obedeceram, e permanecemos calados por alguns poucos e desconfortáveis minutos. Quando finalmente trouxeram uma mesa de uma pilha no canto e puseram um par de cadeiras de cada lado, Maxon indicou aos dois rebeldes que se sentassem conosco.
À medida que caminhávamos, os guardas se afastavam e, em silêncio, formavam um círculo ao redor do salão. Com os olhos fixos nos rebeldes, pareciam prontos para atirar sem pensar duas vezes.
Ainda em pé junto à mesa, o rebelde estendeu a mão.
— Não acha que é hora de fazer as apresentações?
Maxon olhou para ele com cuidado, mas depois cedeu.
— Maxon Schreave, seu soberano.
O jovem conteve o riso.
— É uma honra, senhor.
— E você, quem é?
— August Illéa, a seu serviço.

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