quinta-feira, 24 de julho de 2014

7° Capitulo (2 p) - Cidades de Papel

Na terça-feira à noite, quando havia seis dias que Margo tinha desaparecido, eu conversei com meus pais. Não foi uma decisão importante nem nada assim; eu só falei com eles. Eu estava sentado à bancada da cozinha enquanto meu pai picava alguns legumes e minha mãe fritava um bife. Meu pai implicava comigo, brincando que eu estava levando muito tempo para ler um livro tão fininho, e eu respondi:
— Na verdade, não é para o colégio. Acho que Margo deixou esse livro para mim como uma pista.
Os dois ficaram em silêncio, e então contei sobre Woody Guthrie e Whitman.
— Sem dúvida ela gosta desse jogo de deixar pistas incompletas — disse meu pai.
— Essa necessidade de atenção não é culpa dela — justificou minha mãe, e então acrescentou para mim: — Mas o bem-estar de Margo não é sua responsabilidade.
— É, verdade. — Meu pai jogou as cenouras e cebolas picadas na frigideira. — É claro que não é possível dar um diagnóstico sem conversar com ela, mas sinto que Margo vai voltar para casa logo.
— É melhor não fazer especulações — disse minha mãe a ele em voz baixa, como se eu não pudesse ouvi-la. Ele estava prestes a responder quando interrompi:
— E o que eu devo fazer?
— Se formar — disse minha mãe. — E acreditar que Margo é capaz de cuidar de si mesma, pois ela tem demonstrado bastante talento para isso.
— Concordo — disse meu pai.
No entanto, depois do jantar, quando subi para meu quarto a fim de jogar Resurrection com a tevê no mudo, ouvi os dois debatendo baixinho. Não dava para entender as palavras exatas, mas eu podia sentir sua preocupação.


Mais tarde naquela noite, Ben ligou para meu celular.
— E aí? — falei.
— Cara!
— O que foi?
— Estou saindo para comprar sapatos com Lacey.
— Comprar sapatos?
— É. Tudo fica com trinta por cento de desconto entre dez e meia-noite. Ela quer que eu a ajude a escolher os sapatos para o baile. Quer dizer, ela já comprou um par, mas ontem eu passei na casa dela e a gente concordou que ele não era… sabe como é, todo mundo quer os sapatos perfeitos para a formatura. Então ela vai devolver, e aí a gente vai até a Burdines para esco…
— Ben — interrompi.
— O que foi?
— Cara, eu não estou nem um pouco a fim de falar dos sapatos que Lacey vai usar no baile. E vou explicar o motivo: eu tenho um negócio que me torna absolutamente desinteressado em sapatos de festa. E esse negócio se chama pênis.
— É que eu estou muito nervoso e não consigo parar de pensar que eu meio que gosto mesmo dela, e não é de um jeito “ela é muito gostosa e vai ser meu par na festa”, mas de um jeito mais “ela é muito legal e eu gosto de estar com ela”. E aí quem sabe a gente vai para o baile e, tipo, começa a se beijar lá no meio da pista de dança, e todo mundo vai ficar assombrado e, sabe como é, tudo o que sempre pensaram ao meu respeito simplesmente vai por água abaixo…
— Ben — falei. — Pare de gaguejar, vai dar tudo certo.
Ele continuou falando, mas depois de um tempo enfim consegui desligar.


Fiquei deitado na cama e comecei a me sentir um tanto deprimido com a formatura. Eu me recusava a sentir qualquer tipo de tristeza por não ir ao baile, mas cheguei a imaginar — de um jeito idiota e vergonhoso — em encontrar Margo e convencê-la a voltar para casa bem a tempo de chegar ao baile, sei lá, no final da noite, e então a gente entraria no salão do Hilton usando camisetas e jeans esfarrapados, bem a tempo para a última música, e dançaríamos juntos enquanto todo mundo apontaria para nós, espantados com a volta de Margo, e então a gente iria cair fora dali, dando passos de foxtrote, para tomar sorvete no Friendly’s.
Então, sim, tanto quanto Ben eu alimentava fantasias ridículas sobre a formatura. Mas pelo menos eu não falava as minhas em voz alta. Às vezes Ben podia ser um idiota tão egocêntrico que eu precisava lembrar por que ainda gostava dele. Em último caso, de vez em quando ele tinha ideias surpreendentemente geniais. O lance da porta havia sido uma delas. Não deu em nada no fim, mas que foi uma boa ideia, isso foi. Obviamente Margo queria que aquilo significasse alguma coisa diferente para mim. Para mim. A pista era minha. As portas eram minhas!


Para chegar até a garagem, eu precisava atravessar a sala de estar, onde mamãe e papai assistiam à tevê.
— Quer ver com a gente? — perguntou minha mãe. — Estão quase desvendando o caso. Era um daqueles seriados de investigação de crimes.
— Não, obrigado — agradeci, passando por eles primeiro em direção à cozinha e então até a garagem.
Procurei pela chave de fenda de ponta mais larga, enfiei-a no cós da bermuda cáqui e apertei o cinto. Peguei um biscoito na cozinha e caminhei de volta para a sala de estar, com o andar só um pouco esquisito, e, enquanto eles viam o mistério ser solucionado, soltei os três pinos da porta de meu quarto. Quando cheguei ao último, a porta rangeu e começou a cair, então eu a abri completamente e a apoiei na parede. Durante o movimento, vi um pedacinho minúsculo de papel — mais ou menos do tamanho da unha de meu dedão — cair da dobradiça mais alta. Típico de Margo. Por que esconder algo no próprio quarto quando ela podia esconder no meu?
Fiquei me perguntando quando ela havia feito aquilo e como tinha conseguido entrar. Não pude conter um sorriso.
Era um recorte do jornal Orlando Sentinel, com duas bordas rasgadas e duas inteiras. Eu sabia que era do Sentinel porque em uma das margens dava para ler “… do Sentinel 6 de maio página 2…”. A data em que ela havia sumido. Obviamente era um bilhete deixado por Margo. Reconheci a letra: bartlesville Avenue, 8.328
Eu não tinha como colocar a porta de volta no lugar sem martelar os pinos, o que na certa iria chamar a atenção de meus pais, então simplesmente encaixei as dobradiças e deixei a porta aberta. Guardei os pinos no bolso e fui para o computador procurar o número 8.328 na Bartlesville Avenue em um mapa.
Nunca tinha ouvido falar dessa rua. Ela ficava a pouco mais de cinquenta quilômetros além da cidade, atravessando a Colonial Drive até quase chegar ao povoado de Christmas, na Flórida.
Quando aproximei a imagem de satélite para ver o prédio, ele parecia um retângulo preto com fachada prateada fosca e um gramado nos fundos. Um trailer, talvez? Era difícil ter noção do tamanho porque a construção estava cercada por uma vasta área verde. Liguei para Ben e contei a ele.
— Então eu estava certo! — disse ele. — Mal posso esperar para contar a Lacey, porque ela também achava minha sacação muito boa!
Ignorei o comentário e falei:
— Acho que vou até lá.
— Ué, é claro que você tem que ir. Eu vou também. A gente pode ir no domingo de manhã. Eu vou estar meio exausto por causa do baile, mas não tem problema.
— Não. Estou falando de ir hoje à noite.
— Cara, já está escuro. Você não pode ir até um prédio estranho em um endereço misterioso no escuro. Você nunca viu filme de terror?
— Ela pode estar lá — argumentei.
— É, ela e um demônio que se alimenta apenas de pâncreas de adolescentes — respondeu ele. — Meu Deus, pelo menos espere até amanhã. Só que depois do ensaio tenho que encomendar o buquê para enfeitar o vestido de Lacey. E quero estar em casa para o caso de ela me mandar um recado pelo chat, porque a gente tem trocado mensagens pela internet direto…
— Não, hoje. Eu quero encontrá-la — interrompi.
Sentia que as coisas estavam se encaixando. Em uma hora, se eu corresse, poderia estar diante dela.
— Cara, não vou deixar você sair de casa no meio da noite para ir a um endereço que você encontrou rabiscado em um pedaço de papel. Se for preciso, vou até aí amarrar você.
— Amanhã de manhã — falei, mais para mim do que para ele. — Vou amanhã de manhã.
Eu já estava cansado de nunca faltar no colégio. Ben ficou quieto. Pude ouvi-lo soltando o ar por entre os dentes.
— Estou com uma sensação esquisita — disse ele. — Febre. Tosse. Dor no corpo.
Sorri. Depois de desligar, telefonei para Radar:
— Estou com Ben na outra linha. Já ligo para você.
Um minuto depois ele me ligou. Antes que eu pudesse ao menos dizer “oi”, Radar falou:
— Q, estou com uma enxaqueca terrível. De jeito nenhum vou poder ir ao colégio amanhã.
Soltei uma gargalhada. Depois de desligar, tirei a camiseta e a cueca, esvaziei a lata de lixo em uma gaveta e a deixei junto da cama. Programei o despertador para a ingrata hora de seis da manhã e passei o restante da noite tentando dormir, em vão.

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