terça-feira, 22 de julho de 2014

9° Capitulo - Cidades de Papel

Compramos panos de prato numa lojinha de conveniência na International Drive e nos esforçamos ao máximo para limpar o lodo e o fedor do fosso de nossas roupas e pele. Antes de contornarmos Orlando, enchi o tanque até o mesmo nível do início da noite.
Os assentos estariam um pouco úmidos quando mamãe fosse para o trabalho, mas eu torcia para que ela não notasse, já que era muito distraída. Em geral, meus pais acreditavam que eu era a pessoa mais equilibrada do mundo e menos inclinada a invadir o SeaWorld. Afinal, meu bem-estar psicológico era uma prova do talento profissional deles.
Voltei para casa sem pressa, evitando a rodovia e pegando as ruas menores. Margo e eu estávamos ouvindo rádio, tentando descobrir em que estação tinha tocado “Stars Fell on Alabama”, mas então ela desligou:
— No geral, acho que foi um sucesso.
— Com certeza — falei, embora naquele ponto estivesse me perguntando como seria o dia seguinte.
Será que ela iria aparecer na sala de ensaios para ficar com a gente antes do início da aula? Iria almoçar comigo e com Ben?
— Eu me pergunto se amanhã vai ser diferente.
— É — disse ela. — Eu também. — Ela deixou a questão no ar, e então acrescentou: — Ah, por falar em amanhã, como agradecimento por todo o seu trabalho duro e dedicação nesta noite extraordinária, eu gostaria de lhe dar um presente. — Ela deu uma vasculhada junto aos pés e então pegou uma câmera digital. — Pegue — ofereceu. — E use o Poder do Pequeno Bigulinho ​sabiamente.
Eu ri e enfiei a câmera no bolso.
— Vou baixar a foto em casa e amanhã devolvo a máquina na escola, tudo bem? — perguntei.
Eu ainda queria que ela respondesse: Na escola, onde as coisas vão ser completamente diferentes, onde vamos ser amigos em público e também decididamente solteiros. Mas ela só respondeu:
— Ok, tanto faz.
Eram 5h42 quando entrei em Jefferson Park. Dirigimos pela Jefferson Drive até o Jefferson Court e viramos em nossa rua, a Jefferson Way. Apaguei os faróis pela última vez e subi na entrada de carros. Eu não sabia o que dizer, e Margo estava calada.
Enchemos uma sacola de compras com o lixo, tentando fazer o Chrysler parecer como se as últimas seis horas não tivessem acontecido. Em outra sacola, ela me deu o restante da vaselina, a tinta spray e as últimas latas de Mountain Dew. Meu cérebro estava acelerado de cansaço. Com uma bolsa em cada mão, parei por um instante do lado de fora do carro, olhando para ela:
— Bem, foi uma noite e tanto — falei, afinal.
— Venha cá — disse ela, e eu dei um passo adiante.
Ela me abraçou, e as sacolas me atrapalharam ao abraçá-la de volta, mas se eu as soltasse alguém poderia acordar. Dava para sentir que Margo estava na ponta dos pés, e sua boca estava bem juntinho ao meu ouvido. Ela disse com muita clareza:
— Vou. Sentir. Falta. De. Me. Divertir. Com. Você.
— Não precisa sentir — respondi em voz alta, tentando disfarçar a decepção. — Se você não gosta mais deles, é só sair comigo. Meus amigos são bem legais, na verdade.
Seus lábios estavam tão próximos de mim, que eu até os sentia sorrindo.
— Infelizmente não vai dar — sussurrou ela.
E me soltou, porém permaneceu olhando para mim, dando um passo de cada vez para trás. Por fim, ergueu uma sobrancelha e sorriu, e eu acreditei naquele sorriso. Eu a observei escalar uma árvore e se jogar no telhado da própria casa, perto da janela dela no segundo andar. Ela arrombou a janela e se arrastou para dentro. Entrei pela porta da frente de casa, destrancada, e caminhei na ponta dos pés da cozinha até o quarto, tirei a calça jeans, joguei-a em um canto do armário, junto à tela da janela, baixei a foto de Jase no computador e fui para a cama, minha mente fervilhando com as coisas que eu iria dizer a ela no colégio.

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