quinta-feira, 31 de julho de 2014

1° Capitulo (3p) - Cidades de Papel

Demora um tempo para todos explicarem aos pais que 1) Nós vamos perder a colação de grau, e que 2) Vamos a Nova York para 3) Ver uma cidade que pode ou não existir e, com alguma sorte, 4) Interceptar um usuário do Omnictionary que, de acordo com o Uso aleatório de Maiúsculas é 5) Margo Roth Spiegelman.
Radar é o último a desligar e, quando enfim consegue, diz:
— Eu gostaria de fazer um comunicado. Meus pais estão muito bravos por eu não estar na minha formatura. Minha namorada também está muito brava, porque a gente tinha programado algo muito especial para daqui a umas oito horas. Não quero entrar em detalhes sobre isso, mas é melhor que esta viagem seja realmente muito divertida.
— Sua habilidade em não perder a virgindade é uma inspiração para todos nós — diz Ben ao meu lado.
Encaro Radar pelo retrovisor interno.
— AÊÊÊ! PÉ NA ESTRADA! — grito para ele.
Apesar de tudo, ele sorri. O prazer de ir embora.
Estamos na rodovia I-4, e o trânsito está tranquilo, o que por si só já é praticamente um milagre. Sigo pela faixa da esquerda, dirigindo a cem quilômetros por hora, dez acima do limite de velocidade da estrada, isso porque ouvi dizer que a polícia não multa o carro se o motorista só ultrapassar o limite em dez quilômetros por hora.
Em um instante, todos nós assumimos nossos papéis. No último banco, Lacey é nossa gerente de recursos. E ela lista em voz alta tudo o que temos para a viagem: metade de um Snickers que Ben estava comendo quando liguei para falar de Margo; duzentas e doze garrafas de cerveja no porta-malas; o itinerário que imprimi do Google Maps; e os seguintes itens na bolsa dela: oito chicletes, um lápis, lenços de papel, três absorventes internos, óculos escuros, brilho labial, as chaves de casa, um cartão de sócio da ACM, um cartão da biblioteca, algumas notas fiscais, trinta e cinco pratas e um cartão fidelidade dos postos de gasolina da BP.
— Que maneiro! — exclama Lacey. — É como se fôssemos pioneiros sem recursos! Mas gostaria que tivéssemos um pouco mais de dinheiro.
— Pelo menos temos o cartão da BP — digo. — Podemos abastecer e comprar comida.
Olho pelo retrovisor interno e vejo Radar, de beca, vasculhando a bolsa de Lacey. A beca é um tanto decotada, então consigo ver um pouco dos pelos encaracolados do peito dele.
— Você não tem nenhuma cueca aí dentro, tem? — pergunta ele.
— Falando sério, é melhor a gente dar uma parada na Gap — acrescenta Ben.
A função de Radar, que ele começa a executar com a calculadora do tablet, é Pesquisa e Cálculos. Ele está sozinho no banco atrás de mim, com o itinerário e o manual do proprietário do carro aberto ao lado. Está calculando a que velocidade precisamos dirigir para chegar a Agloe ao meio-dia do dia seguinte, quantas vezes vamos ter que parar para que a gasolina não acabe, onde, em nossa rota, existem postos BP e quanto tempo vamos perder a cada parada e a cada vez que desacelerarmos para pegar uma saída.
— A gente vai precisar abastecer quatro vezes. E as paradas têm que ser muito curtas. No máximo seis minutos fora da estrada. Vamos passar por três trechos longos de obras, além do trânsito de Jacksonville, Washington e da Filadélfia, embora as estradas de Washington estejam mais vazias quando passarmos por lá umas três da manhã. De acordo com meus cálculos, nossa velocidade média deve ser de cento e quinze quilômetros por hora. A quanto estamos agora?
— Cem — respondo. — O limite é noventa.
— Então vá a cento e quinze — diz ele.
— Não posso. É perigoso e vou levar uma multa.
— Vá a cento e quinze. Piso fundo no acelerador.
Parte da dificuldade reside no fato de eu estar hesitante em dirigir a cento e quinze por hora, a outra parte está no fato de o próprio carro se recusar a andar a cento e quinze por hora. Ele começa a tremer de um jeito que parece indicar que vai cair aos pedaços. Continuo na faixa da esquerda, embora não seja o carro mais veloz da estrada. Me sinto mal por haver gente me ultrapassando pela direita, mas preciso de uma pista vazia, pois, diferentemente dos outros carros na estrada, não posso ir mais devagar. E este é meu papel: dirigir e ficar nervoso.
E então percebo que não é a primeira vez que recebo essa função.
E Ben? O papel de Ben é precisar ir ao banheiro. Primeiro parece que sua função principal é reclamar que não temos nenhum CD e que todas as estações de rádio de Orlando são uma porcaria, exceto a estação universitária, que já está fora de alcance. Mas logo ele ignora tudo isso em função de sua verdadeira vocação: precisar ir ao banheiro.
— Eu preciso ir ao banheiro — diz ele às 3h06 da tarde.
Estamos na estrada há quarenta e três minutos. Temos aproximadamente um dia de viagem pela frente.
— Bem — diz Radar —, a boa notícia é que vamos parar. A notícia ruim é que vai ser daqui a quatro horas e trinta minutos.
— Acho que dá pra segurar — diz Ben. E às 3h10 ele anuncia: — Na verdade, eu realmente preciso mijar. Sério.
Todo mundo no carro responde em coro:
— Aguenta aí.
— Mas eu… — diz ele.
— Aguenta aí! — responde todo mundo de novo.
Está engraçado, por enquanto, com Ben precisando ir ao banheiro e a gente precisando fazê-lo segurar. Ele ri e reclama que rir só faz com que precise ainda mais ir ao banheiro.
Lacey se estica e começa a fazer cosquinha na lateral da barriga dele. Ele ri e reclama, e eu também rio, mantendo a velocidade de cento e quinze quilômetros por hora.
Me pergunto se Margo criou esta viagem para nós de propósito ou por acaso — e, qualquer que seja a resposta, é a coisa mais divertida que já fiz desde a última vez que passei horas atrás do volante de um carro.

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