terça-feira, 29 de julho de 2014

18° Capitulo (2p) - Cidades de Papel

Fui acordado pela luz do sol pouco antes das sete da manhã de sábado. Por incrível que pareça, Radar estava on-line.
QRESURRECTION: Eu tinha certeza de que você estava dormindo.
OMNICTIONARIAN96: Não, cara. Estou acordado desde as 6, expandindo um artigo sobre um cantor pop da Malásia. Mas Angela ainda está dormindo.
QRESURRECTION: Uuuuh… então ela passou a noite aí?
OMNICTIONARIAN96: Passou, mas minha pureza ainda está intacta. Mas na noite da colação de grau… acho que pode rolar.
QRESURRECTION: Então, tive uma ideia ontem à noite. Os buracos naquela parede do centro comercial abandonado — talvez tivesse um mapa ali, com locais marcados com tachinhas?
OMNICTIONARIAN96: Um roteiro.
QRESURRECTION: Exatamente.
OMNICTIONARIAN96: Quer ir até lá dar uma olhada? Só preciso esperar Angela acordar.
QRESURRECTION: Beleza.
Radar ligou às dez. Fui buscá-lo em casa com a minivan e dirigimos até a casa de Ben, imaginando que um ataque surpresa seria a única maneira de acordá-lo.
Mas até quando cantamos “You Are My Sunshine” sob a janela ele não fez nada além de abri-la para cuspir na gente.
— Eu não vou fazer nada antes de meio-dia — disse, autoritário.
Então éramos só Radar e eu. Ele falou um pouco de Angela e de como gostava dela, e de como era esquisito se apaixonar meses antes de eles irem para faculdades diferentes, mas, para mim, foi muito difícil prestar atenção. Eu queria aquele mapa. Queria ver os lugares que ela havia marcado. Queria colocar aquelas tachinhas de volta na parede.


Entramos no escritório, passamos correndo pela biblioteca, paramos por um instante para examinar os buracos na parede do quarto e entramos na loja de suvenires.
O lugar já não me amedrontava nem um pouco. Depois de passarmos por cada um dos cômodos e nos certificarmos de que estávamos sozinhos, eu me senti tão seguro quanto se estivesse em casa.
Debaixo de um balcão de vidro, achei a caixa cheia de mapas e panfletos de viagem que eu havia folheado no dia do baile de formatura. Equilibrei a caixa nas quinas de uma vitrine que estava com o vidro quebrado. Radar organizou os folhetos, à procura daqueles que tivessem mapas, e então desdobrei um a um e procurei por buracos de tachinha.
Estávamos quase no final da caixa quando Radar puxou um panfleto em preto e branco chamado CINCO MIL CIDADES NORTE-AMERICANAS. Havia sido publicado pela Esso em 1972.
Enquanto eu desdobrava o mapa com cuidado, tentando desamassar o papel, vi um buraco de tachinha em um dos cantos.
— É este — falei, levantando a voz.
Havia um pequeno rasgo em torno do buraco da tachinha, como se o mapa tivesse sido arrancado da parede. Era um mapa velho e amarelado dos Estados Unidos, do tamanho desses que ficam em salas de aula, cheio de informações sobre os principais destinos do país.
Os rasgos no mapa me diziam que Margo não tinha deixado aquilo como uma pista — ela era precisa e segura demais com suas pistas para criar algo tão confuso. De um jeito ou de outro, acabamos nos deparando com algo que ela não havia planejado e, ao ver o que ela não havia planejado, pensei de novo em quanto ela havia planejado. Talvez, pensei, fosse isso que ela ficasse fazendo na quietude daquele lugar. Viajando enquanto vadiava, exatamente como Whitman, enquanto se preparava para a verdadeira aventura.
Corri de volta para o escritório e peguei um punhado de tachinhas na mesa ao lado da de Margo, e depois Radar e eu carregamos com cuidado o mapa desdobrado até o quarto dela.
Segurei o papel junto à parede enquanto Radar tentava colocar as tachinhas nos cantos, porém três deles tinham sido rasgados, bem como três das cinco localizações, provavelmente no momento em que o mapa fora tirado da parede.
— Mais para cima e para a esquerda — disse ele. — Não, para baixo. Aí. Não se mexa.
Finalmente conseguimos fixar o mapa, e então começamos a alinhar os buracos do papel aos da parede. Encontramos todos os cinco pontos com facilidade, mas alguns estavam rasgados, então era impossível saber a localização EXATA de cada local. E localizações exatas eram importantes quando se tratava de um mapa inteiramente coberto por cinco mil nomes de lugares.
A letra era tão pequena que precisei subir no carpete enrolado e aproximar os olhos a poucos centímetros do papel para, ainda assim, chutar cada uma das localizações.
Assim que comecei a falar nomes de cidades, Radar puxou o tablet e pesquisou todas no Omnictionary. Havia dois buracos intactos: um parecia ser Los Angeles, embora houvesse tantas cidades apinhadas no sul da Califórnia que as letras chegavam a ficar umas por cima das outras. O outro era em Chicago.
Havia um buraco rasgado em Nova York que, a julgar pela localização do furo na parede, ficava em um dos cinco distritos da cidade.
— Isso se encaixa com as informações que a gente tem.
— É — concordei.
— Mas onde em Nova York, meu Deus? Essa é a questão.
— Deve ter alguma coisa que a gente não está vendo — disse ele. — Alguma pista que indique um lugar. E os outros pontos?
— Tem mais um no estado de Nova York, mas não é perto da cidade. Quer dizer, olhe só, as cidades são tão pequenas. Pode ser Poughkeepsie ou Woodstock ou Catskill Park.
— Woodstock — disse Radar. — Isso seria interessante. Ela não chega a ser hippie, mas curte a ideia de espírito livre.
— Sei não — respondi. — O último ponto talvez seja na capital, Washington, ou quem sabe em Annapolis, ou em Chesapeake Bay. Pode ser um monte de coisas, na verdade.
— Seria muito mais fácil se só tivesse um ponto no mapa — disse Radar, taciturno.
— Mas ela provavelmente está indo de um lugar a outro — falei.
Vadiando sua jornada perpétua.
Me sentei no carpete enrolado durante algum tempo, enquanto Radar lia mais sobre Nova York, sobre Catskill Mountains, sobre a capital, sobre os concertos de Woodstock em 1969. Nada parecia útil. Senti como se tivéssemos perdido o fio da meada.


Depois que deixei Radar em casa naquela tarde, fiquei largado pela casa, lendo “Canção de mim mesmo” e estudando sem muito afinco para as provas finais.
Eu teria prova de cálculo e de latim na segunda-feira, acho que as matérias em que eu tinha maior dificuldade, e não podia me dar ao luxo de ignorá-las completamente.
Estudei durante a maior parte da noite de sábado e ao longo do domingo, mas então uma ideia sobre Margo me ocorreu logo depois do jantar, então fiz em pausa nos exercícios de tradução de Ovídio e entrei na internet.
Lacey estava on-line. Ben havia acabado de me passar o nick dela, e imaginei que já tivesse intimidade suficiente com ela para mandar uma mensagem.
QRESURRECTION: Oi, é o Q.
CHORANDOOLEITEDERRAMADO: Oi!
QRESURRECTION: Você já parou pra pensar no tempo que Margo deve ter passado planejando essas coisas?
CHORANDOOLEITEDERRAMADO: Pois é, tipo deixar letrinhas na tigela de sopa de letrinhas antes de ir pro Mississippi e deixar para você o endereço do centro comercial?
QRESURRECTION: É, isso não é o tipo de coisa que se inventa em dez minutos.
CHORANDOOLEITEDERRAMADO: Talvez o caderno de anotações.
QRESURRECTION: Exatamente.
CHORANDOOLEITEDERRAMADO: Pois é. Eu estava pensando nisso hoje porque me lembrei de uma vez que saímos para fazer compras e ela ficava enfiando o caderno nas bolsas de que gostava, para ter certeza de que ia caber.
QRESURRECTION: Queria tanto dar uma olhada naquele caderno.
CHORANDOOLEITEDERRAMADO: É, mas deve estar com ela.
QRESURRECTION: Não estava no armário dela no colégio?
CHORANDOOLEITEDERRAMADO: Não, só os livros, arrumadinhos como sempre.
Fiquei estudando em minha mesa, esperando que outras pessoas aparecessem on-line.
Ben apareceu depois de um tempo e eu o convidei para um chat comigo e com Lacey. Eles ficaram conversando a maior parte do tempo — eu ainda estava meio que estudando latim —, até que Radar também se juntou a nós.
Aí parei de estudar por aquela noite.
OMNICTIONARIAN96: Alguém em Nova York usou o Omnictionary hoje para pesquisar Margo Roth Spiegelman.
FOIUMAINFECÇÃORENAL: Dá pra saber onde na cidade de Nova York?
OMNICTIONARIAN96: Infelizmente, não.
CHORANDOOLEITEDERRAMADO: Ainda tem uns cartazes de “desaparecida” espalhados por umas lojas de disco lá. Provavelmente era só alguém tentando descobrir alguma coisa a respeito dela.
OMNICTIONARIAN96: Ah, é. Tinha me esquecido disso. Droga!
QRESURRECTION: Ei, não estou respondendo aqui no chat porque estou usando aquele site que Radar me mostrou, montando rotas entre os lugares que ela marcou no mapa.
FOIUMAINFECÇÃODERENAL: Mande o link.
QRESURRECTION: thelongwayround.com
OMNICTIONARIAN96: Eu tenho uma teoria nova. Ela vai aparecer na colação de grau, no meio da plateia.
FOIUMAINFECÇÃORENAL: Eu tenho uma teoria velha: ela está em algum lugar em Orlando, sacaneando a gente e fazendo de tudo para ser o centro do nosso universo.
CHORANDOOLEITEDERRAMADO: Ben!
FOIUMAINFECÇÃORENAL: Foi mal, mas com certeza eu tenho razão.
Eles continuaram a conversar por mais um tempo, falando da Margo deles, enquanto eu tentava mapear a rota dela.
Se ela não tivera intenção de deixar o mapa como uma pista — e os buracos de tachinha rasgados me diziam que esse era o caso —, concluí que já havíamos recolhido todas as pistas que ela deixara e muito mais. Então, na certa, eu tinha o que precisava. Mas ainda me sentia muito longe dela.

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