quinta-feira, 31 de julho de 2014

4° Capitulo (3p) - Cidades de Papel

Pela primeira vez, Lacey pergunta:
— Manhê, a gente já tá chegando?
Todo mundo ri. No entanto, ainda estamos na Geórgia, um estado que amo de paixão por um único motivo: o limite de velocidade é de cento e dez quilômetros por hora, o que significa que posso aumentar a velocidade para cento e vinte. Fora isso, a Geórgia me lembra da Flórida.
Passamos a última hora nos preparando para a primeira parada. É uma parada importante porque estou muito, muito, muito, muito faminto e desidratado. Por algum motivo, falar da comida que vamos comprar no posto alivia a fome.
Lacey entrega uma lista de compras para cada um de nós, escrita em letrinhas pequenas no verso das notas fiscais que ela achou na bolsa. Ela faz com que Ben se incline para fora da janela do carona, para ver de que lado fica a bomba de gasolina. E nos obriga a decorar nossa lista e nos testa depois. Falamos sobre a parada um monte de vezes; ela precisa ser bem executada, exatamente como em um pit stop de corrida de carros.
— Mais uma vez — pede Lacey.
— Eu sou o frentista — diz Radar. — Depois que começar a encher o tanque, corro até a lojinha, muito embora eu devesse ficar ao lado da bomba de gasolina o tempo todo, e passo o cartão para você. Depois volto para o carro.
— Eu entrego o cartão para o cara do caixa — diz Lacey.
— Ou moça — acrescento.
— Não importa — responde Lacey.
— Só estou dizendo… Não seja tão machista.
— Ah, tanto faz, Q. Eu entrego o cartão para a pessoa do caixa. E digo a ele ou a ela para passar nesse cartão tudo o que a gente pegar. E então vou ao banheiro.
— Enquanto isso — acrescento —, levo tudo o que estiver na minha lista para o caixa.
— E eu estarei mijando — diz Ben. — Quando terminar, pego as coisas da minha lista.
— O mais importante é pegar umas camisetas — lembra Radar. — As pessoas estão olhando esquisito para mim.
— Aí eu assino o recibo quando sair do banheiro — diz Lacey.
— E assim que o tanque estiver cheio, vou entrar no carro e ir embora, então é melhor vocês três estarem de volta a tempo. Porque eu vou embora mesmo. Vocês têm seis minutos — avisa Radar.
— Seis minutos — digo, concordando com a cabeça.
E Lacey e Ben também repetem:
— Seis minutos.
— Seis minutos.
Às 5h35, faltando mais de mil e quatrocentos quilômetros, Radar nos avisa que, de acordo com seu tablet, haverá um posto da BP na próxima saída.


Assim que entro no posto de gasolina, Lacey e Radar estão encolhidos junto à porta de correr. Ben, já sem o cinto de segurança, está com uma das mãos na maçaneta e a outra apoiada no painel. Mantenho a maior velocidade possível pelo máximo de tempo, e então freio junto à bomba de gasolina. A minivan para com um solavanco e a gente sai voando pelas portas. Radar e eu nos cruzamos na frente do carro; jogo as chaves para ele e corro para a lojinha do posto.
Lacey e Ben chegam antes de mim, mas por pouco. Enquanto Ben dispara para o banheiro, Lacey explica para a mulher grisalha (é uma mulher!) que vamos comprar um monte de coisas, que estamos com muita pressa e que ela tem que passar tudo que a gente trouxer para o caixa no cartão fidelidade da BP. A mulher parece um pouco assustada, mas concorda.
Radar entra correndo, a beca sacudindo, e entrega o cartão para Lacey. Enquanto isso, eu corro pela loja, pegando tudo da minha lista. Lacey está na seção de bebidas; Ben, na de itens não perecíveis; eu, na de comida.
Faço a limpa como se eu fosse um guepardo e os pacotes de salgadinhos, gazelas feridas. Jogo um punhado de batatas fritas, tirinhas de carne-seca e amendoim no balcão e corro para a prateleira de doces. Um pacote de Mentos, outro de Snickers e — ah, não está na lista, mas que se dane, eu amo balinhas Nerds, então acrescento três caixinhas de Nerds.
Corro de volta e sigo para o balcão de frios, que é composto basicamente por sanduíches velhos de peito de peru que parecem muito com presunto. Pego dois. No caminho de volta para o caixa, agarro dois pacotes de bala de caramelo, um pacote de Twinkies e um número indefinido de barrinhas de cereal. Volto para o caixa.
Ben está de beca diante da mulher, entregando a ela algumas camisetas e óculos de sol baratos. Lacey está carregando refrigerantes, energéticos e garrafas de água. Garrafas grandes, do tipo que nem o Ben consegue encher de xixi.
— UM MINUTO! — grita Lacey, e eu entro em pânico. Estou correndo em círculos, passando os olhos pelas prateleiras, tentando me lembrar do que está faltando. Dou uma olhada na lista. Parece que já peguei tudo, mas fico com a sensação de que esqueci algo importante. O que é? Vamos lá, Jacobsen. Batatas fritas, doces, peito de peru que parece presunto, sanduíches de pasta de amendoim e geleia e… o quê? Quais são os outros grupos alimentares? Carne, batata, doces e, e, e, e queijo!
— BISCOITOS! — digo um pouco alto demais e corro para aquela seção, pegando alguns pacotes sabor queijo e pasta de amendoim, e mais uns cookies por via das dúvidas, então corro de volta para o caixa e jogo tudo no balcão.
A moça já empacotou tudo em quatro sacolas. Quase cem dólares de compras, sem contar a gasolina. Vou levar o verão inteiro para pagar os pais de Lacey. Há apenas um momento de pausa, quando a mulher atrás do caixa passa o cartão de Lacey. Dou uma conferida no relógio. Temos vinte segundos para sair. Finalmente ouço a impressão do recibo. A mulher tira o papelzinho da máquina, Lacey rabisca seu nome, e então Ben e eu agarramos as sacolas e corremos de volta para o carro.
Radar faz o motor roncar como que para dizer andem logo, e nós corremos pelo estacionamento, a beca de Ben flutuando ao vento como se ele fosse uma espécie de bruxo das trevas, só que com as pernas brancas e os braços cheios de sacolas de compras. Consigo ver as batatas da perna de Lacey sob o vestido, os músculos contraídos devido à corrida.
Não sei com o que eu me pareço, mas sei como me sinto: Jovem. Estúpido. Infinito.
Lacey e Ben se jogam pelas portas laterais do carro. Mergulho atrás deles, aterrissando em um monte de sacolas plásticas e no colo de Lacey. Radar acelera enquanto fecho a porta de correr e então dispara pelo estacionamento, deixando uma marca de pneu no asfalto pela primeira vez na história das minivans.
Radar pega o acesso para a estrada a uma velocidade considerada pouco segura por algumas pessoas e então entra de novo na rodovia. Estamos quatro segundos adiantados no cronograma. E como em um pit stop da Nascar, a gente comemora com high-fives e tapinhas nas costas. Temos suprimentos. Ben tem lugares o suficiente em que urinar. Eu tenho minhas tirinhas de carne-seca. Lacey tem seus Mentos. Radar e Ben têm camisetas para usar por cima da beca. A minivan se tornou uma biosfera — nos dê gasolina e seguiremos para sempre.

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