O vento abriu a porta da ferraria, e a Avó aproveitou para entrar. A oficina estava em completa desordem.
— Olá, Henry.
Ele continuou seu trabalho em frente às chamas, sem se virar. Não daria atenção a uma mulher que não falara em defesa da própria neta.
— Estamos fechados.
— Eu quero lhe agradecer por ter defendido minha neta hoje — falou, ignorando o que ele dissera. — Você foi muito corajoso.
— Eu só disse o que estava sentindo.
Henry estava forjando alguma coisa no fogo. O objeto que tirou de lá com uma tenaz tinha um brilho branco, como se fosse um pedaço da lua. Ele o pousou em um canto para moldá-lo, e começou a acionar uma manivela.
— Você não tem nenhuma obrigação de defender Valerie — a Avó estava falando para as costas de Henry. — Você já rompeu o noivado.
— Ela está apaixonada por outra pessoa — Henry rilhou os dentes, aborrecido porque ela o obrigara a dizê-lo. Começou então a martelar o objeto, formando uma ponta. — Não quer dizer que eu parei de me importar com ela.
— Imagino que Lucie sentia a mesma coisa por você.
Henry deu de ombros, constrangido com a menção ao nome dela.
— Me disseram que ela achava que estava apaixonada por mim.
— Sim, Valerie acabou de me dizer isso.
Henry uniu duas pontas de sua criação. Não dispunha de muito tempo.
— Parece que Lucie teria feito qualquer coisa por você. Teria até se encontrado com você em uma noite do Lobo se você tivesse pedido a ela.
Ele limpou as mãos no avental.
— Não vejo o que isso tem a ver com a situação — disse, tentando falar educadamente.
Tão logo terminou de dizer isso, ele entendeu. Sua confusão se transformou em raiva e ele finalmente olhou para ela.
— Você acha que eu sou o Lobo.
A Avó se empertigou.
— Você percebe do que está me acusando? De assassinato!
— Eu não estou acusando ninguém de nada — ela disse, embora pensasse o contrário.
A Avó sentia-se derreter no calor da oficina. Suas acusações foram perdendo o foco, a intensidade.
— Estou tentando descobrir a verdade — prosseguiu ela, de qualquer forma.
Ao dizer isso, no entanto, a expressão de Henry mudou. A raiva desapareceu, substituída por uma expressão de espanto, que logo se transformou em horror – com uma ponta de prazer por finalmente ser capaz de acusar sua acusadora.
Deixando cair a ferramenta, que retiniu no chão, Henry se aproximou da mulher de modo quase sedutor.
— É você — disse ele, espetando o dedo na direção dela. — Meu Deus, é você. Posso sentir o cheiro em você.
A Avó começou a se sentir nervosa. Já esgotara todas as evidências que tinha contra ele.
— Que cheiro é esse que você está sentindo em mim? — perguntou ela, chegando mais perto da porta.
— Na noite em que meu pai morreu, eu senti o cheiro do Lobo. Um almíscar penetrante — Henry se aproximou mais. — O mesmo cheiro que estou sentindo em você neste exato momento.
Henry estava muito perto dela, agora; seus olhos chispavam. Ela sentia-se desfalecer com o calor do fogo e com as acusações dele.
— O que você estava fazendo naquela cabana? Sozinha? — Henry não esmorecia — na noite em que sua neta foi assassinada?
Naquele momento, o cheiro reverberou pelos sentidos da Avó como um nome há muito esquecido. Foi o bastante. O jovem tinha razão. Ela sentiu a necessidade urgente de se defender.
— Henry, eu li até adormecer.
— E depois?
A Avó ficou em silêncio. O cheiro emanava de suas roupas como o vapor de um rio. Era amargo e penetrante.
— Você não sabe, não é? — ele pressionou.
Ela tinha de sair dali. Tinha de ir para casa e verificar uma coisa. Tinha de saber com certeza. Como suas suspeitas haviam repercutido de volta para ela com tanta facilidade? Então se esgueirou pela porta aberta, que se fechou com um estrondo.
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