Dois dias antes, Valerie não poderia ter imaginado que estaria ali. Todos os que ela amava haviam se voltado contra ela – ou então ela se voltara contra eles. Sua irmã morrera. Hoje à noite, ela também morreria. Fora atirada em uma cela de prisão úmida e escura. Era como se já estivesse no túmulo. Estava em um local normalmente usado para prender animais, mas aquelas barras de ferro não fariam feio em uma cadeia. Algumas velas esparsas projetavam sombras nítidas nas paredes. Os guardas, pelo menos, haviam providenciado um pouco de luz.
Mas de que adiantava isso? Ela não tinha ninguém. Ninguém falara em sua defesa.
Com exceção de Henry, cujo amor ela destruíra pelo amor de outro. E este outro fugira da sala. Peter nem ao menos permanecera lá para apoiá-la.
Henry encontraria outra pessoa para desposar. Acabaria se apaixonando por Rose ou Prudence, ou por uma garota de algum vilarejo vizinho. Mas ela sabia que Peter não encontraria ninguém; ele pensaria sempre nela e a manteria em um lugar que ninguém poderia alcançar. Protegeria a memória dela, como o fizera nos últimos dez anos, preservando-a para si mesmo.
Ela gostaria de não tê-lo mandado embora quando ele batera à sua porta. Se o tivesse acompanhado...
Ao ouvir um farfalhar na escuridão, ela levantou os olhos e viu sua Avó olhando para ela. Bem, talvez não estivesse completamente sozinha.
— Diga-me, querida, você está precisando de alguma coisa? — perguntou a Avó com ar triste.
A faca com cabo de osso faiscou na mente de Valerie. Ela a enfiara na bota enquanto Cesaire estava dormindo. Gostaria de mostrá-la a sua avó, mas os olhos dos guardas nunca se desviavam dela por muito tempo.
Um arrepio atravessou seu corpo e ela estremeceu. Solomon se apoderara de sua capa vermelha – uma violação de certa forma mais brutal que as demais. Ela precisava de muitas coisas, mas sabia que era inútil pedi-las. O guarda jamais permitiria que lhe passassem alguma coisa.
— Não.
Ela abanou a cabeça.
Valerie ainda não abandonara a esperança de que, se sua avó não falara no tribunal, era porque tinha um plano. Mas percebia que, como todos os demais, ela estava com medo. Não do Lobo, mas de um homem: Solomon.
— Ouça — a Avó abaixou a voz. — O Lobo nunca atacou às claras como fez no festival. Por que se mostrou agora?
— Talvez seja essa lua...
— Ele quer você. E queria sua irmã.
A Avó tentava raciocinar em voz alta.
“Minha irmã”.
— Ele pode ter matado ao acaso no festival para disfarçar o fato de que o primeiro assassinato não foi nada casual — especulou a Avó.
Valerie não sabia ao certo aonde a Avó queria chegar.
— Não. O Lobo não escolheu Lucie. Ela deve ter se oferecido ao Lobo.
Valerie engoliu em seco, forçando-se a falar alto.
— Eu não sabia disso na época, mas ela estava apaixonada por Henry. Rose acha que ela ouviu falar do meu noivado, e a única opção que viu foi tirar a própria vida.
Entretanto, mesmo ela tendo dito isso, a história não lhe soou verdadeira.
— Lucie amava Henry... — a Avó fez uma pausa.
— Mas é inconcebível que ela tenha tirado a própria vida. Impossível. Ela não faria isso.
A Avó parecia ter desenvolvido outra teoria. Aproximou-se então das grades para falar mais.
Um tilintar de chaves a interrompeu. Era o guarda, assomando ao lado dela com sua presença imponente.
— A visita terminou.
No outro lado do vilarejo, Cesaire pegou um punhado de milho e jogou os grãos para as galinhas. Esse costumava ser um trabalho de Suzette, mas ela ainda estava repousando, com medo de contrair uma infecção. Cesaire ficou feliz em assumir a tarefa. Era um modo de ser útil, além de tomar conta da esposa, a quem deixara de amar. Havia perdido suas filhas. Tudo o que lhe restava era cuidar de algumas galinhas ingratas.
Os aldeões foram para suas casas após o julgamento, devastados pela tensão e pelo medo. Alguns, porém, permaneceram ao relento: mulheres batendo na roupa lavada com grandes pás, homens arrastando troncos. A rotina ajudava. Dava a impressão de que a morte não se instalara totalmente na cidade, que a vida ainda era vivida. Nem tudo havia terminado.
Cesaire notou que Peter caminhava em direção a ele, transportando um barril de madeira em um carrinho de mão. Enquanto olhava para ele, continuou a remexer no saco de milho, o que deixou a palma de sua mão recoberta com resíduos brancos. O carrinho parou com um rangido e os dois homens ficaram frente a frente.
— Vou salvar sua filha — Peter falou primeiro, perscrutando as reações de Cesaire — e pretendo me casar com ela. Eu gostaria de obter sua bênção, mas posso viver sem ela.
Houve um instante de silêncio. Tendo dito o que precisava dizer, Peter virou-se para ir embora. Cesaire, contudo, deu um passo à frente e estendeu os braços para abraçá-lo. Este momento de humanidade em meio ao caos sobrenatural fez com que ambos se sentissem encorajados.
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