quarta-feira, 16 de julho de 2014

21° Capitulo - A Garota da Capa Vermelha

Os soldados levaram Claude até um silo arruinado atrás do celeiro e largaram no chão seu corpo bamboleante. Ele abriu seus reluzentes olhos negros e viu uma sombra grotesca e majestosa avultando ao seu lado: o elefante de bronze.
Então soltou um grito apenas por gritar, sabendo que não adiantaria nada. Frenético, tentou fugir do instrumento de tortura. Tudo menos aquilo. Conseguindo alcançar a parede mais afastada, encolheu-se em um canto, sussurrando rapidamente consigo mesmo.
Solomon, que seguira os soldados, entrou no silo. Ele duvidava que Claude fosse realmente o Lobo, mas não podia demonstrar fraqueza. Padre Auguste entrou atrás dele.
— Não toquem nele — ordenou Solomon, cujos olhos eram como pequenos seixos — até que eu dê ordem.
Claude acelerou seu cântico.
— Agora... — prosseguiu Solomon, esboçando sorriso amargo e erguendo um braço, formando uma espécie de asa negra com a túnica. Apontou então um dedo ai para o elefante de bronze. — Vocês já podem tocar nele.
Em meio aos soluços de Claude, os soldados conseguiram discernir suas palavras:
— Era uma vez um menininho, o nome dele Claude, muito estranho e sozinho, mas amigo do bom Deus.
— Silêncio, monstro — vociferou um soldado, dando-lhe um cascudo.
Petrificado, Claude tapou a boca com a mão. Seus olhos relanceavam ao redor, mas não havia para onde ir. Então, pressionou seu peso contra o calcanhares, e seus calcanhares contra o chão. Mas não foi o bastante. Mãos enormes o agarraram e começaram a arrastá-lo.
Padre Solomon se aproximou e olhou para ele.
— Diga o nome do Lobo.
Claude se limitou a abanar a cabeça, aterrorizado demais para entender o que lhe perguntavam. Solomon acenou com a cabeça, e dois soldados levaram Claude até a câmara de torturas. Entretanto, alguma coisa emperrou, e eles não conseguiram mover o trinco da porta que havia na barriga do elefante.
— Não consigo abrir a porta — disse um deles, afastando-se para que o outro soldado tentasse a sorte.
O trinco cedeu.
Depois que a porta se abriu, os soldados pegaram Claude pelos braços e pernas e o enfiaram no interior do elefante, trancando novamente a porta.
— Diga o nome — ordenou Solomon para o animal metálico.
Não houve resposta.
— O que você está fazendo?
Um dos soldados olhou para o outro que estava acendendo uma fogueira sob o elefante.
— Estou fazendo o que me disseram para fazer — sussurrou ele asperamente. — E acho melhor o senhor fazer o mesmo.
Os soldados então se afastaram. Um deles se mostrava relutante; o outro, firmemente decidido.
Quando as chamas começaram a lamber a barriga de bronze, os berros de Claude ecoaram dentro do monstro metálico.
— Ouçam como ele canta seu amor por Satã...
Padre Solomon sentiu pesar sobre ele o olhar horrorizado de padre Auguste. Pessoas observadoras sabem quando estão sendo observadas.
Respirando fundo e estufando o peito como um gato prestes a atacar, foi até onde estava o religioso da aldeia.
— O que homens como eu e você fazemos, fazemos por um bem maior. Como homens da ordem, nossa missão é livrar o mundo de seus males.
— Diga-me uma coisa — Auguste tentava, sem muito sucesso, parecer forte. — Qual é o benefício disso?
Padre Solomon aproximou seu rosto até quase encostá-lo no de Auguste, para que o outro não tivesse dúvidas a respeito de sua determinação.
— Eu matei minha mulher para proteger meus filhos — Solomon esperou até suas palavras alcançarem seu máximo efeito. — Nossos métodos de agradar a Deus às vezes são imperfeitos, Padre, mas a caça ao lobisomem é assim. Você tem que ter estômago.
Dito isso, começou a se afastar.
— O que o senhor está dizendo, padre? — replicou Auguste com voz baixa, mas poderosa, que se fez ouvir acima dos gritos e batidas de Claude.
Solomon não teve escolha a não ser parar e se virar. Pousou então o dedo nos lábios do outro homem.
— Estou dizendo que você tem de fazer sua escolha. E sugiro, pelo seu próprio bem, que você se junte a mim.
Ele se virou para os soldados.
— Não libertem o garoto até ele dizer o nome do Lobo.
Em seguida, saiu do silo.
— Como ele pode falar? Ele está sendo torturado! — disse Padre Auguste para si mesmo, esperando que padre Solomon soubesse o que estava fazendo. Mas a suspeita de que não sabia começou a preocupá-lo.
Solomon era e único cliente na taverna, o homem de Deus comia seu almoço. De outra forma, como poderia apaziguar a raiva que sentia daqueles camponeses ignorantes, que só faziam trabalhar contra si mesmos?
Quando o capitão entrou na sala, seguido por uma garota do vilarejo, Solomon ergueu os olhos do copo. Tinha certeza de que a conhecia.
Ah, sim. A irmã do garoto. A ruiva de rosto suave. Era bem feminina e parecia temente a Deus. Ele gostava disso. E não fez nenhuma objeção a que o capitão a trouxesse até ele.
— Sim, menina — disse ele, reconhecendo sua presença.
— Eu vim para negociar a libertação de Claude.
Era uma frase bem ensaiada, que ela pronunciou bem alto.
Como Solomon não disse nada, ela bateu com o punho fechado sobre a mesa, à frente dele. Depois, abriu a mão. Ouviu-se um som de moedas caindo. Ela recolheu a mão, como se a tivesse queimado. Solomon viu que, de fato, ela depositara moedas sobre a mesa. Algumas insignificantes peças de prata. Seus lábios se contraíram. Não estava claro se estava irritado ou tentando abafar uma gargalhada.
— O que você quer que eu faça com isso? — perguntou Solomon.
— Eu...
— Com isso, eu poderia comprar um pedaço de pão e meia dúzia de ovos. Obrigado pelo presente. Agora me diga — acrescentou, aproximando seu rosto do dela. Chegou tão perto que ela sentiu seu hálito frio. — O que você espera negociar com isso?
Deslizando as moedas pela mesa, Roxanne as recolheu de volta. Pareciam sujas agora. Seu rosto estava rubro, mas conseguiu falar.
— Eu tenho mais que dinheiro.
Padre Solomon ergueu as sobrancelhas.
Ela abaixou o xale, desapertou sua blusa e expôs quase totalmente seus seios opulentos, que sempre tivera o cuidado de manter ocultos.
Solomon riu zombeteiramente ao vê-la exposta, sentindo-se insultado.
— É essa a sua ideia de suborno?
Suas sobrancelhas ainda estavam erguidas.
O capitão deu uma sonora gargalhada. Roxanne permaneceu imóvel, sentindo-se irremediavelmente tola.
— O senhor não me quer? — murmurou de forma quase convincente.
— Vire-se, garota — vociferou Solomon.
Sentindo-se suja, por sua vez, Roxanne conseguiu se cobrir antes que o capitão a arrastasse para fora.
— Esperem! — gritou ela.
A pior coisa que Roxanne já fizera na vida fora bater em um bêbado nojento para que ele largasse sua mãe, enquanto Claude assistia à cena retorcendo as mãos. Mas o que ela estava para fazer era muito pior. Era algo que a assombraria para sempre. Mas ela não tinha escolha.
— Esperem, por favor. Eu tenho mais uma coisa.
Ela falou rapidamente para não ter tempo de desistir.
— Se vocês pouparem meu irmão — acrescentou — eu lhes dou o nome de uma bruxa.
Isso captou a atenção de Solomon.
— Bem, isso vale alguma coisa.

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